O Escorpião, a pôr-se ... O Sagitário, o Capricómio ... lá estavam elas, afinal, nos sítios próprios, com a sua configuração subitamente certa, que ela logo reconheceu, numa pura geometria cintilante e perfeita. E, nessa noite, como há cinco mil anos, haviam de nascer e de desaparecer no horizonte: o Capricórnio, o Aquário e, mais abaixo, a solitária Fomalhaut, os Peixes e o Carneiro; o Touro, com Aldebara e as Plêiades. «Quando o Escorpião se põe a sudoeste, as Plêiades erguem-se a nordeste.» «Quando o Capricórnio se põe a oeste, Órion ergue-se a leste.» E a Baleia, com Mira. Esta noite, como há muitas eras atrás, as pessoas hão-de dizer isto mesmo, ou hão-de fechar as portas às estrelas, afastar-se delas, numa desolada agonia, ou contemplá-las com amor, dizendo: «Aquela, além, é a nossa estrela, a tua e a minha.» Hão-de orientar-se por elas, acima das nuvens, ou perdidas no mar ou no meio da humidade, no cimo do castelo da proa, hão-de observá-las, virando subitamente de querena; hão-de pôr nelas a sua fé ou a sua falta de fé, quer viajem de comboio, quer se encontrem em milhares de observatórios, assestando sobre elas telescópios, através de cujas lentes nadam misteriosos enxames de estrelas e nuvens de estrelas mortas e negras, catástrofes de sóis em explosão ou Antares gigantescos, correndo para um fim violento - um braseiro lento e contudo quinhentas vezes mais intenso do que o Sol, que ilumina e aquece a Terra. E a própria terra, sempre girando no seu eixo e dançando em torno do Sol, e o Sol, revoluteando em torno da roda luminosa desta galáxia, as inumeráveis e imensuráveis rodas consteladas de pedrarias das inumeráveis e imensuráveis galáxias, girando, girando, girando majestosamente no infinito, na eternidade, por entre todas as quais a vida vai correndo - tudo isto, muito tempo depois de ela - Yvonne - ter morrido. Os homens hão-de continuar a ver e considerar no céu nocturno - e conforme a Terra girar no ritmo dessas distantes estações e eles observarem as constelações que continuarão a surgir, a culminar e a pôr-se no céu, para de novo nascerem - Carneiro, Touro, Gémeos, Caranguejo, Leão, Virgem, Balança e Escorpião, Capricórnio, Sagitário e Aquário, Peixes e, de novo, triunfalmente, Carneiro. Não estariam, afinal, todos esses astros formulando sempre a inútil e eterna pergunta: para quê? Que força arrasta esse sublime maquinismo celeste? Escorpião, no ocaso ... E, renascendo - pensou Yvonne - invisível por detrás dos vulcões, aqueles astros, cuja culminação se verificava, nessa noite, à meia-noite, quando o Aquário se pusesse ... E alguns haviam de contemplá-los compenetrados da sua velocidade, sentindo contudo a sua irradiação, em forma de diamante, cintilar-lhes um instante na alma, trazendo-lhes à memória quanto de doce ou de nobre, de corajoso ou de altivo, existe neste mundo, quando, lá no alto, surgissem, voando suavemente como um bando de aves direito a Órion, as Plêiades repousantes ... As montanhas, que haviam perdido de vista, surgiam agora de novo, conforme eles iam avançando pela floresta, cuja vegetação começava a rarear. Contudo, Yvonne parecia deixar aqueles sítios com relutância. Lá ao longe, para as bandas do sudeste, o crescente inclinado e já bastante baixo da Lua, sua pálida companheira da manhã - chegava finalmente ao ocaso e ela ia-a observando - a filha morta da Terra! - numa atitude de estranha e ávida súplica. O Mar da Fecundidade, em forma de diamante e o Mar do Néctar, pentagonal, o Frascatório, com a sua muralha norte demolida e a gigantesca muralha oeste de Endimião, elíptica, junto do membro ocidental; as montanhas de Leibnitz, no lado sul, e, a leste de Proco, o Lago dos Sonhos, lá estavam o Hércules e o Atlas, por entre as névoas de um cataclismo, por nós ignorado.
Malcolm Lowry, Debaixo do Vulcão
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