Não me faltava que fazer. Havia anos
que vinha reunindo sem interrupção os elementos preparatórios para
um grande estudo, em dois volumes, sobre Balzac e sobre a sua obra,
mas nunca encontrara a coragem necessária para dar início a um
trabalho de tal envergadura e de tão grande fôlego. Porém, foi
exactamente a minha falta de coragem que me deu coragem para avançar.
Retirei-me para Bath, precisamente para Bath, porque essa cidade,
onde escreveram muitas das melhores figuras da gloriosa literatura
inglesa, sobretudo Fielding, apresentava aos olhares apaziguados um
reflexo mais fiel e mais expressivo de um outro século mais
pacífico, o século XVIII, do que qualquer outra cidade de
Inglaterra. Mas como era doloroso o contraste entre essa paisagem
abençoada por uma beleza suave e a inquietação crescente que
reinava no mundo e nos meus pensamentos! Tal como o mês de Julho de 1914 tinha sido o mais belo que me
lembro de ter vivido na Áustria, também esse Agosto de 1939 em
Inglaterra teve uma provocadora magnificência. Era outra vez o mesmo
céu suave, de um azul sedoso, como uma tenda de paz armada por Deus,
outra vez essa benfazeja luz do sol sobre prados e florestas, e
também o esplendor indescritível das flores - era a mesma paz
imensa sobre a terra, enquanto os seus habitantes se armavam para a
guerra. Tal como antes, a loucura parecia-me inverosímil perante
aquela florescência calma, durável, exuberante, perante aquele
sossego que respirava e que se deleitava consigo próprio nos vales
de Bath, os quais, pela sua doçura, me faziam lembrar secretamente a
paisagem de Baden, naquele ano de 1914.
E de novo me recusei a acreditar. E
de novo me preparei, tal como então, para uma viagem de Verão.
Stefan Zweig, O Mundo de Ontem
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