A noite caía. A laguna
apagava-se pouco a pouco, e ia perdendo a sua cor verde. À
superfície da água corriam ainda sombras cinzento-malva, numa
fosforescência vaga.
Eu tirara do bolso,
maquinalmente, as fotografias que queria mostrar a Freddie, entre
elas a de Gay Orlow em criança. Não notara até então que ela
estava a chorar. Era possível adivinhá-lo pelas sobrancelhas
franzidas. Por um instante, os meus pensamentos levaram-me para longe
da laguna, para o outro lado do mundo, para uma estância balnear do
Sul da Rússia, onde havia muito tempo aquela fotografia fora tirada.
Uma rapariguinha regressa da praia, com a mãe, ao fim da tarde.
Chora sem motivo, ou porque queria continuar a brincar. Afasta-se. Já
dobrou a esquina da rua - e não se dissiparão, ao anoitecer, as
nossas vidas, tão depressa como aquele gesto de criança?
Patrick Modiano, Na Rua
das Lojas Escuras
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