O sol cadente lança
garridos raios acobreados por sobre o céu coberto de areia, e todos
os pássaros da Pérsia se juntam para cantar uma última vez em
coro. Lentamente, com a escuridão, chega o silêncio, e os pássaros
preparam-se para dormir com adejes cada vez mais lentos, como uma
criança que se cobre com a roupa da cama. E então eleva-se outra
nota, um bemol quente e metálico que, tímido a princípio, ganha
coragem, vibrando sem parar, e depois, como se os segundos violinos
entrassem em cena de mansinho, passa a ser duas notas, ora uma, ora
outra, à qual responde uma terceira do outro lado do espelho de
água. Mahun é famosa pelos seus rouxinóis. Mas eu prefiro celebrar
as rãs. Entretanto, saí para o pátio, para a escuridão abrigada
das árvores. De repente, o céu limpou, e a Lua reflectiu-se por
três vezes, uma vez na cúpula e duas nos minaretes. Nesse preciso
momento, surge na varanda sobre a entrada um círculo de luz
ambarina, e um peregrino começa a entoar o seu cântico.
Segue-se-lhe o som da água a correr em fio para os canteiros
plantados de fresco. Estou finalmente na cama. O quarto tem dez
portas e onze janelas, através das quais assobia e se precipita um
furacão de vento e de gatos em busca de ossos de galinha. E as rãs
continuam a chamar umas pelas outras: aquela nota vibrante e
iridescente consegue abrir caminho pelo meu sono adentro. Acordo com
um gato a tentar abrir a minha lancheira com tal fúria que se eu
fosse arrombador de cofres gostava de o ter como ajudante. A corrente
de ar abana-me a cama. Espero que Ali Asgar esteja mais quente no
alojamento dos derviches, mas de manhã não me atrevo a
reclamar com ele porque há quinze anos o general Sykes disse-lhe que
Mahun era um paraíso. A manhã está iminente, deixa cair os
seus véus cinzentos, chega - e como se acordados pela batuta de um
maestro autoritário, os pássaros encetam novo canto, um hino
ensurdecedor e estridente ao Sol, enquanto do outro lado do quarto um
bando de corvos se lança, para não ser esquecido, num concurso de
grasnadelas. E, subitamente como antes, o silêncio volta, quando os
primeiros raios de sol sobem furtivamente ao palco. Lá fora, em
frente à porta, Ali Asgar e o derviche atiçam um tabuleiro
de carvão com um abanador e reanimam o samovar com todos os
cuidados. Ouvem-se passos: - Ya Allah! - O derviche
responde: - Ya Allah! O peregrino entoa as suas orações
matinais da varanda, com prolongados semitons nasais que me fazem
pensar no Monte Atos. Um arco de ouro ilumina a cúpula azul e o céu
cobre-se de um algodão rosado. Aqui vem Ali Asgar com o tabuleiro do
chá.
Robert Byron, A Estrada para Oxiana
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