Os
camelos... Um dia, estudaria a fundo esses viajantes daquela
paisagem, animais tão imutáveis como
monumentos, genuínos através dos séculos, todos eles antigos,
fosse qual fosse a sua idade. Passava muito tempo—involuntariamente,
era certo—a estudar a sua forma curiosa. Enquanto esperava que o
desconjuntado autocarro o conduzisse do palácio, após uma visita,
aos montes onde agora vivia, observava os camelos que passavam em
longos e lentos cortejos ou descansavam, enquanto os seus condutores
se refaziam com gasosa engarrafada e arroz de caril. A estrutura do
camelo era única: um esqueleto do formato do casco de um barco, mas
apoiado em quatro pernas angulosas, que terminavam em enormes patas
almofadadas, com machinhos que eram autênticos dispositivos à prova
de choque, igualmente úteis na areia macia do deserto e nos
carreiros pedregosos dos montes. A curva baixa do pescoço
equilibrava o dorso alto e corcovado e terminava pela cabeça pequena
e melancólica, de boca frouxa, beiço inferior móbil e pendente e
olhos tristes, de pálpebras pesadas. Uma estranha alma espreitava
através desses olhos um mundo que o camelo não se dava ao trabalho
de compreender e que só podia aceitar até certo ponto. Se se sentia
demasiado sobrecarregado, ou se o condutor feria, por meio de
qualquer indiferença, as suas susceptibilidades, era capaz de se
deitar suavemente no chão e de permanecer assim, imóvel, num
protesto eloquente, até morrer. No entanto, os camelos não eram
todos só alma e suavidade. Possesso de uma cólera súbita, um
camelo não hesitava em lançar o seu hálito fétido ao rosto de
quem o magoara, até este desmaiar, com o fedor insuportável. Embora
estivesse convencido de que sabia tudo acerca de camelos, ainda na
véspera o padre Francis Paul compreendera quanto se enganava, ao
assistir ao estranho comportamento de um desses animais. No interior
do enorme arcaboiço do camelo em questão soara um rugido semelhante
ao eco distante da trovoada, nas montanhas, um eco que, através não
se sabia de que canais, chegara à garganta e depois à boca do
bicho, da qual irrompera um balão de membrana vermelha, com sessenta
centímetros de diâmetro. O sacerdote ficara estupefacto.
—Que é aquilo?—
perguntara ao condutor bil, acocorado na poeira, numa
semi-sonolência, depois de ter comido e bebido.
O
homem bocejara e coçara a cabeça, antes de responder:
—
Quem sabe? É a sua
maneira de se divertir.
Assim
parecia, de facto. O sacerdote observara enquanto o camelo, terminado
o estentóreo arroto, recolhia a membrana. Aquela terra antiga,
aquela Índia, era muito rica em surpresas, grandes e pequenas. Não
passava um único dia sem novos espectáculos, novos sons e novos
cheiros.
Pearl
S. Buck, Mandala
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