Esta época, esta vida que
se desagrega, terão ainda uma realidade? A minha passividade aumenta
de dia para dia, não que eu me gaste ao contacto de uma realidade
mais forte do que eu, mas porque por toda a parte se me depara o
irreal. Tenho a consciência absoluta de que apenas na acção devo
procurar o sentido e a ética da minha vida, mas adivinho que este
tempo já não tem tempo para consagrar à única actividade
verdadeira, à actividade contemplativa do filósofo. Tento
filosofar, mas onde a dignidade do conhecimento? Não se extinguiu
ela há muito frente a frente à evidência da desagregação do seu
objecto? Não se teria degradado em vãs palavras a própria
filosofia? Este mundo sem essência, este mundo sem estabilidade,
mundo que já não pode encontrar nem conservar o seu equilíbrio
senão numa velocidade crescente, fez do seu movimento arrebatado uma
pseudo-actividade para o homem, a fim de projectar este no nada; —
oh! existirá por- ventura mais profunda resignação do que a de uma
época que já não é capaz de filosofar? A própria meditação
filosófica transformou-se num jogo estético, um jogo que deixou de
existir, introduziu-se na rotação estéril das engrenagens do mal,
é uma ocupação para burgueses que entretém o tédio das suas
noites: só nos resta o número, só nos resta a lei!
Hermann Broch, Os Sonâmbulos
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