Pronto,
fiquei sem sono. O sono nunca quer muito comigo, primeiro
atormenta-me para logo me abandonar muito depressa, por volta da
meia-noite. O sono é um monstro de egoísmo que só faz o que lhe
apetece. O Dr. Kraus é um médico medíocre, devia mudar.
Despedi-lo. Devia oferecer-me o luxo de despedir o meu próprio
médico, pô-lo a andar, um médico que nos fala de repouso em todas
as consultas, mas que é incapaz de nos fazer dormir não merece o
nome de médico. É preciso reconhecer, em sua defesa, que nunca
engoli as porcarias que ele me prescreve. Mas um médico que não
adivinha que não vamos tomar as porcarias que ele prescreve não é
um bom médico, outra razão para mudar. Apesar disso, Kraus tem ar
de ser um homem inteligente, sei que gosta de música, não, exagero,
sei que vai a concertos, o que não prova nada. Ainda ontem me disse:
«Fui ouvir Liszt ao Musikverein», respondi-lhe que tinha tido
sorte, há muito que Liszt não tocava em Viena. Riu-se, claro, e
depois disse: «Ah, o doutor Ritter faz-me morrer a rir», o que é,
convenhamos, uma frase estranha vinda de um médico. Continuo a não
lhe perdoar ter-se rido quando lhe pedi para me prescrever ópio. «Ah
ah ah, posso passar-lhe uma receita, mas em seguida vai ter que
encontrar uma farmácia do século XIX.» Eu sei que ele mente,
verifiquei no Jornal Oficial,
um médico austríaco tem direito a prescrever até 2 g de ópio por
dia e 20 g de láudano, e se é assim deve conseguir encontrar-se. O
que é ridículo, é que se for um veterinário da mesma
nacionalidade pode prescrever até 15 g de ópio e 150 g de tintura
de ópio, dá-nos vontade de ser um cão enfermo. Posso talvez
suplicar ao bicho do Gruber para que me venda uma parte dos seus
medicamentos às escondidas do dono, ora aí está o que daria
finalmente algum préstimo ao cachorro.
Mathias
Énard, Bússola
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