segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

"De onde nos vem esta nostalgia que trazemos em nós e que nos dá por vezes o sentimento de termos perdido uma imensidade? Não uma saudade de paraíso desaparecido onde tudo teria sido belo, simples e duradouro. Antes um mal-estar, como em certos despertares, após uma noite em que o sonho nos deu o direito de voar acima das árvores e dos telhados dos prédios. Ter perdido um poder. Os nossos olhares projectados na direcção do oceano ou das noites estreladas do Verão reconduzem-nos invariavelmente a esta perturbação que parece tão banal e partilhada que ninguém dela fala por receio do ridículo. Haverá um espaço perdido que é capaz de ressurgir a cada um dos nossos confrontos com as imensidades que estão ao alcance da mão, o céu, os oceanos, os desertos, a noite... Encerrará porventura o código genético, além dos testamentos do pai e da mãe, a marca de uma viagem sem moderação através de cada recanto daquilo a que se chama o Universo?... Há nestes impulsos misteriosos para espaços infinitos e na ideia que deles fazemos, a marca de uma tentativa que se esforça por reencontrar uma imensidade de que a determinado momento tivemos conhecimento, mas que desapareceu. Cada criança que vem ao mundo ver-se-á acaso privada de uma imensidade de que teria disposto, antes de nascer, muito antes de possuir um cérebro e uma consciência, e com a qual brincava sem lugar, sem referência, aqui e em toda a parte, livre? A vida seria então o fabrico de um invólucro que desprende do mundo uma parcela de infinito, para lhe outorgar um peso, um lugar, um início e um fim.
Yves Simon, O Viajante Magnífico

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