Encontrei-me neste mundo certo dia, que não sei qual foi, e até ali, desde que evidentemente nascera, tinha vivido sem sentir. Se perguntei onde estava todos me enganaram, e todos se contradiziam. Se pedi que me dissessem o que faria, todos me falaram falso, e cada um me disse uma cousa sua. Se, de não saber, parei no caminho, todos pasmaram que eu não seguisse para onde ninguém sabia o que estava, ou não voltasse para trás – eu, que, desperto na encruzilhada, não sabia de onde viera. Vi que estava em cena e não sabia o papel que os outros diziam logo, sem o saberem também. Vi que estava vestido de pajem, e não me deram a rainha, culpando-me de não a ter. Vi que tinha nas mãos a mensagem que entregar, e quando lhes disse que o papel estava branco, riram-se de mim. E ainda não sei se riram porque todos os papéis estão brancos, ou porque todas as mensagens se adivinham.
Por fim sentei-me na pedra da encruzilhada como à lareira que me faltou. E comecei, a sós comigo, a fazer barcos de papel com a mentira que me haviam dado. Ninguém me quis acreditar, nem por mentiroso e não tinha lago com que provasse a minha verdade.
(...)
10-3-1931
Bernardo Soares, Livro do Desassossego
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