sábado, 25 de julho de 2009

"Que é viajar, e para que serve viajar? Qualquer poente é o poente; não é mister ir vê-lo a Constantinopla. A sensação de libertação, que nasce das viagens? Posso tê-la saindo de Lisboa até Benfica, e tê-la mais intensamente do que quem vá de Lisboa à China, porque se a libertação não está em mim, não está, para mim, em parte alguma. «Qualquer estrada», disse Carlyle, «até esta estrada de Entepfuhl, te leva até ao fim do mundo.» Mas a estrada de Entepfuhl, se for seguida, toda, e até ao fim, volta a Entepfuhl; de modo que o Entepfuhl, onde já estávamos, é aquele mesmo fim do mundo que íamos a buscar.
Condillac começa o seu livro célebre, «Por mais alto que subamos e mais baixo que desçamos, nunca saímos das nossas sensações». Nunca desembarcamos de nós. Nunca chegamos a outrem, senão outrando-nos pela imaginação sensível de nós mesmos. As verdadeiras paisagens são as que nós mesmos criamos, porque assim, sendo deuses delas, as vemos como elas verdadeiramente são, que é como foram criadas. Não é nenhuma das sete partidas do mundo aquela que me interessa e posso verdadeiramente ver; a oitava partida é que percorro e é minha.
Quem cruzou todos os mares cruzou somente a monotonia de si mesmo. Já cruzei mais mares do que todos. Já vi mais montanhas que as que há na terra. Passei já por cidades mais que existentes, e os grandes rios de nenhuns mundos fluíram, absolutos, sob os meus olhos contemplativos. Se viajasse, encontraria a cópia débil do que já vira sem viajar."
Bernardo Soares, Livro do Desassossego

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