"De facto, o habitante de um país tem pelo menos nove caracteres: o profissional, o nacional, o político, o de classe, o geográfico, o sexual, o consciente, o inconsciente e talvez ainda um carácter privado. Encontram-se todos nele, mas dissolvem-no, e ele acaba por não ser mais do que uma pequena depressão do terreno banhada por estes muitos riachos que nela desaguam, para dela voltarem a sair e encherem, com outros riachos, um novo vale. É por isso que cada habitante da Terra tem ainda um décimo carácter, que é nem mais nem menos do que a imaginação passiva de espaços não preenchidos. Permite ao indivíduo tudo, menos uma coisa: levar a sério o que fazem os seus outros caracteres, pelo menos nove, e o que lhes acontece. Por outras palavras: tudo menos aquilo que poderia preenchê-lo e realizá-lo. Esse espaço, reconhecidamente difícil de descrever, tem uma cor e uma forma diferentes em Itália ou em Inglaterra, porque aquilo que dele se destaca tem cor e forma diferentes, e é nos dois lugares o mesmo espaço: um espaço vazio e invisível em que a realidade se configura como uma pequena cidade de brincar que a imaginação da criança tivesse abandonado."
Robert Musil, O Homem sem Qualidades
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