"É a história que nos domina, e não nós a ela. Dia e noite viajamos dentro dela e fazemos tudo o que tem de ser feito; barbeamo-nos, comemos, amamos, lemos livros, exercemos uma profissão, como se as nossas quatro paredes estivessem imóveis, quando o inquietante de toda essa história é que as paredes viajam sem que nós demos por isso, e projectam os seus carris como longos fios, curvos e tacteantes, e nós não sabemos para onde. E ainda por cima, o que nós gostaríamos era de pertencer também às forças que determinam o andamento do comboio do tempo. É um papel muito pouco claro, e quando, após uma pausa mais longa, olhamos lá para fora, acontece que a paisagem se transformou: o que passa a correr, passa porque não pode deixar de o fazer. Mas, por mais dedicados que sejamos, não podemos evitar que uma sensação desagradável se apodere de nós, como se tivéssemos ultrapassado o objectivo ou metido pelo caminho errado. E um dia chega aquela necessidade irresistível e premente: descer! saltar do comboio! Uma nostalgia de sermos travados, de não progredir, de ficar parados, de regressar a um ponto antes do desvio errado!"
Robert Musil, O Homem sem Qualidades
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