sábado, 19 de setembro de 2009

“Mais tarde, depois de superados os acontecimentos da sua juventude, Törless tornou-se um homem de espírito refinado e sensível. Era uma dessas naturezas de esteta e intelectual a quem a observação das leis e, em parte pelo menos, da moral pública dá uma certa tranquilidade, porque isso as exime de pensar em coisas grosseiras, muito distantes das suas subtis vivências anímicas; são, porém, pessoas que aliam a essa grande correcção exterior, um tanto irónica, uma indiferença entediada sempre que se lhes pede que se interessem pelos objectos daquela moral. Nelas, o interesse que verdadeiramente as toca concentra-se exclusivamente no amadurecimento da alma, do espírito, ou como se lhe queira chamar, coisas que vão crescendo em nós a partir de uma ideia entre as linhas de um livro ou que saem dos lábios fechados de um quadro; coisas que despertam quando uma qualquer melodia solitária e insistente se afasta de nós e - perdendo-se na distância - vai puxando, com movimentos estranhos, o fino fio vermelho do nosso sangue, que arrasta atrás de si - mas que nunca está presente quando redigimos documentos, construímos máquinas, vamos ao circo ou nos entregamos a centenas de actividades como estas. Os objectos que apenas solicitam a sua correcção moral são absolutamente indiferentes a estas pessoas.”
Robert Musil, As Perturbações do Pupilo Törless

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