sábado, 19 de setembro de 2009

“Os pensamentos são, de facto, uma coisa muito particular. Por vezes não são mais do que acasos que desaparecem sem deixar rasto; os pensamentos têm fases vivas e fases mortas. Podemos ter uma ideia genial, e ela murchar lentamente nas nossas mãos como uma flor. Fica a forma, mas faltam as cores, o perfume. Ou seja, lembramo-nos dela palavra por palavra, o valor lógico, o postulado que encontrámos mantém-se intacto, e apesar disso apenas voga sem sustentáculo à superfície do nosso mundo interior, e não nos sentimos mais ricos por o ter descoberto. Até que, talvez ao cabo de anos, surge de repente um momento em que percebemos que neste entretempo não sabíamos nada dele, embora soubéssemos tudo de um ponto de vista lógico. É verdade, há pensamentos mortos e pensamentos vivos. O pensamento que se move na superfície iluminada, que pode a cada momento ser reconstituído seguindo o fio da causalidade, de modo nenhum é o pensamento vivo. Um pensamento que encontramos por esta via será sempre algo de indiferente, como um homem qualquer na coluna de soldados em marcha. Um pensamento - e ele pode ter já passado pelo nosso cérebro há muito tempo - só se torna vivo no momento em que alguma coisa que já não é pensamento, que já não é lógica, se junta a ele, de tal modo que sentimos a sua verdade, para lá de toda a legitimação, como uma âncora que se soltou e nos entrou pela carne irrigada de sangue, viva ... A percepção verdadeiramente grande de alguma coisa só em parte se dá no círculo de luz do cérebro; a outra parte situa-se no terreno escuro do mundo interior, e é acima de tudo um estado de alma na ponta mais extrema do qual pousa, como uma flor, o pensamento. (...) Do mesmo modo que eu sinto que um pensamento ganha vida em mim, assim também sinto que alguma coisa em mim vive ao contemplar as coisas, quando os pensamentos se calam. Há qualquer coisa de obscuro em mim, sob os pensamentos, e que eu não posso avaliar com o pensamento, uma vida que não se deixa traduzir em palavras e que, apesar disso, é a minha vida ... (...) Já não tenho medo. Sei que as coisas são as coisas e assim será sempre, e que eu as verei sempre, ora de uma maneira, ora de outra. Ora com os olhos da razão, ora com os outros ... E nunca mais tentarei comparar as duas coisas ...”
Robert Musil, As Perturbações do Pupilo Törless

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