- Eu diria - continuou Ulrich com vivacidade - que é como se olhássemos para um grande espelho de água: de tanta claridade, o olhar julga ver uma superfície escura, e na outra margem as coisas parecem não estar assentes na terra, mas pairar no ar com uma hipernitidez subtil, quase dolorosa e perturbadora. A sensação tem tanto de intensidade como de perda. Estamos ligados a tudo e não podemos aproximar-nos de nada. Tu estás deste lado e o mundo do outro, há um excesso no eu e no objecto, mas ambos quase dolorosamente nítidos, e o que separa e une os dois, habitualmente misturados, é uma cintilação obscura, um derramamento e um apagamento, um movimento alternante de sístole e diástole. Flutuamos como um peixe na água ou um pássaro no ar, mas não há margem nem ramo, apenas esse flutuar!
Ulrich falava como um poeta; mas o fogo e a firmeza da sua linguagem destacavam-se, metálicos, do seu conteúdo subtil e vago. "
Robert Musil, O Homem sem Qualidades
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