domingo, 29 de novembro de 2009

"- Voltou a fazer uma pausa, rindo de si ou da sua descrição. E acrescentou, sério: - Seja como for, o certo é que, não me prendendo a nenhuma ideia e deixando-me atrair por todas, acabei por não aprender a levar a vida a sério. Sinto-me muito mais excitado por ela quando leio um romance, onde tudo está a salvo dentro de um sistema. Mas se tiver de a viver em todos os seus momentos, acho-a sempre ultrapassada, antiquada no seu particularismo excessivo, e obsoleta no que se refere à sua substância intelectual. Não creio que seja defeito meu. A maior parte das pessoas são hoje assim. É verdade que muitos se iludem, tentando convencer-se de que é urgente a alegria de viver, mais ou menos como se ensina às crianças da escola primária a saltitar, felizes, no meio das florzinhas; mas há sempre nisso qualquer coisa de artificial e deliberado, e elas sentem-no. Na realidade, as pessoas tanto podem massacrar-se com crueldade uns aos outros como conviver cordialmente. Não tenho dúvida de que o nosso tempo não leva a sério os acontecimentos e as aventuras de que está cheio. Se acontecem, causam sensação. E geram imediatamente novos acontecimentos, como numa vendeta, seguindo um alfabeto de B a Z, só porque já se disse A. Mas esses acontecimentos das nossas vidas têm menos vida do que um livro, porque lhes falta a ideia integradora. "
Robert Musil, O Homem sem Qualidades

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