quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

"Quando leio o jornal, ouço rádio ou presto atenção ao que as pessoas me dizem no café sinto, cada vez com mais frequência, tédio, para não dizer uma náusea, perante sempre o mesmo chorrilho de palavras iguais, escritas e ditas - sempre as mesmas expressões retóricas, sempre os mesmos floreados e metáforas. E o pior é quando me escuto a mim próprio e tenho de constatar que também eu me limito a alinhar sempre pelos mesmos padrões. Como estas palavras estão tão gastas e usadas, tão esgotadas pela excessiva utilização! Será que haverá ainda nelas o vestígio de um significado residual? É claro, a troca de palavras continua a funcionar, as pessoas agem de acordo com isso, riem e choram, viram para a esquerda e para a direita, o empregado de mesa traz o café ou o chá. Mas não é isso que eu quero questionar. A questão é: será que elas exprimem ainda algum pensamento? Ou serão apenas construções sonoras que impelem as pessoas de um lado para o outro, só porque iluminam constantemente, na mente de cada um, vestígios de uma eterna tagarelice?
Acontece por vezes eu ir à praia e sentir a cabeça exposta a um vento que gostaria que fosse gelado, bem mais frio do que aquele a que por cá estamos habituados: desejo então que ele me esvazie de todos as palavras gastas, de todos os hábitos esgotados da linguagem, para que possa regressar com um espírito purificado, limpo das escórias de todo este perpétuo palavreado."
Pascal Mercier, Comboio Nocturno para Lisboa

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