- E isto continua. Ouçam. Ouço um ruído que parece o choque de vagões que estão a ser atrelados numa estação de caminho-de-ferro. É assim o feliz encadeamento dos acontecimentos na nossa vida. Devo, devo, devo. Devo partir, devo deitar-me, devo acordar, devo levantar-me - palavra piedosa e solene que pretendemos desprezar, mas que apertamos contra o coração, já que sem ela seríamos incompletos. Como respeitamos este som, semelhante ao choque dos vagões que estão a ser atrelados numa estação de caminho-de-ferro!
Agora ouço um coro ao longe, vindo do lado do rio. São as canções dos meninos convencidos que em grandes carros regressam de um dia passado na ponte de um vapor repleto de gente. Cantam, como cantavam outrora no pátio, em noites de Inverno, ou com as janelas abertas no Verão, bebendo, quebrando os móveis, com pequenos barretes às riscas e voltando todos a cabeça ao mesmo tempo quando a carruagem dobrava a esquina. E eu desejava ser como eles.
Estes cantos, os remoinhos da água e o murmúrio quase imperceptível da brisa, arrasta-nos suavemente. Pedaços do nosso ser desprendem-se de nós. Atenção! Qualquer coisa de muito importante caiu. Estou a perder o domínio do meu corpo. Vou adormecer. Mas devemos partir, devemos apanhar o comboio, devemos ir para a estação, devemos, devemos, devemos. Somos apenas corpos correndo uns ao lado dos outros. Só existo nas plantas dos pés e nos fatigados músculos das coxas. Tenho a impressão de caminhar há horas. Mas onde? Não consigo lembrar-me. Sou como um tronco deslizando suavemente por uma catarata. Não sou juiz. Não tenho a obrigação de dar opiniões. Sob a luz cinzenta, as casas e as árvores tornam-se semelhantes. Aquilo é um poste? E isto, é uma mulher caminhando? Eis a estação. Se o comboio me despedaçasse, o meu corpo juntar-se-ia de novo do outro lado dos carris, porque sou uno e indivisível. Mas o mais curioso é que ainda seguro na mão metade do meu bilhete, a metade de regresso a Waterloo, mesmo agora, mesmo quando estou a dormir."
Virginia Woolf, As Ondas
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