sábado, 17 de abril de 2010

"Assim, se o céu estava incerto, eu não parava de interrogá-lo logo de manhã e levava em conta todos os presságios. Se via a senhora da frente a pôr o chapéu à janela, dizia para comigo: «Aquela senhora vai sair, portanto está tempo para se sair. Por que não faria Gilberte o mesmo que aquela senhora?» Mas o tempo escurecia, a minha mãe dizia que ainda podia levantar, que bastaria um raio de sol, mas que era mais provável que chovesse; e, se chovesse, para quê ir aos Campos Elísios? Assim, desde o almoço, os meus olhos ansiosos não largavam mais o céu incerto e nublado. Permanecia sombrio. Diante da janela, a varanda estava cinzenta. De repente, na sua pedra tristonha eu não via uma cor menos baça, mas sentia como que um esforço para uma cor menos baça, a pulsação de um raio hesitante que quereria libertar a sua luz. Passado um instante, a varanda estava pálida e espelhante como uma água matinal, e mil reflexos dos ferros das suas grades tinham vindo pousar ali. Uma aragem dispersava-os, a pedra estava de novo sombria, mas, como que cativados, eles voltavam; a pedra recomeçava imperceptivelmente a embranquecer, e, com um desses crescendos contínuos que, na música, no final de uma Abertura, levam uma única nota até ao fortíssimo supremo, fazendo-a passar rapidamente por todos os graus intermediários, eu via-a atingir esse ouro inalterável e fixo dos dias bonitos, sobre o qual a sombra recortada do apoio trabalhado da balaustrada se destacava a negro como uma vegetação caprichosa, com uma tenuidade no delineamento dos mínimos pormenores que parecia trair uma consciência aplicada, uma satisfação de artista, e com um tal relevo, um tal veludo no repouso das suas massas sombrias e felizes que, na verdade, aqueles reflexos largos e frondosos que repouusavam naquele lago de sol pareciam saber que eram penhores de calma e de felicidade.
Hera instantânea, flora parietária e fugidia! A mais incolor, a mais triste, pensam muitos, das que podem trepar na parede ou decorar a janela; para mim, de todas a mais cara desde o dia em que aparecera na nossa varanda, como a própria sombra da presença de Gilberte que talvez já estivesse nos Campos Elísios e, assim que eu chegasse, me diria: «Comecemos já a jogar à barra, você fica no meu campo»; frágil, levada por uma aragem, mas também relacionada, não com o Inverno, mas com a hora; promessa de felicidade imediata que o dia recusa ou cumprirá, e por isso da felicidade imediata por excelência, a felicidade do amor; mais doce, mais quente sobre a pedra que o próprio musgo; planta vivaz, basta-lhe um raio de sol para nascer e fazer desabrochar a alegria, mesmo no coração do Inverno."
Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido (I - Do Lado de Swann)
(Ler na lingua original)

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