Enquanto me contentara em ver, do fundo da minha cama de Paris, a igreja persa de Balbec no meio dos flocos da tempestade, o meu corpo não levantara qualquer objecção a essa viagem. As objecções só tinham começado quando ele compreendera que estaria implicado nisso e que, na noite da chegada, o conduziriam ao «meu» quarto, que lhe era desconhecido. A sua revolta era ainda mais profunda porquanto, na véspera da partida, eu soubera que a minha mãe não nos acompanharia, pois o meu pai, retido no ministério até ao momento em que partiria para Espanha com o senhor de Norpois, preferira arrendar uma casa nos arredores de Paris. De resto, a contemplação de Balbec não me parecia menos desejável por ser preciso comprá-la à custa de um mal que, pelo contrário, me parecia representar e garantir a realidade da impressão que eu ia buscar, impressão que não seria substituída por qualquer espectáculo dito equivalente, por qualquer «panorama» que eu poderia ir ver sem por isso ser impedido de voltar a casa e dormir na minha cama. Não era a primeira vez que sentia que aqueles que amam e aqueles que têm prazer não são os mesmos. Julgava desejar tão profundamente Balbec como o médico que me tratava e que me disse, espantado com o meu ar infeliz na manhã da partida: «Garanto-lhe que, se pudesse ter ao menos oito dias para ir apanhar ar fresco à beira-mar, não me fazia rogado. Vai ver as corridas, as regatas, será delicioso.» Por mim, já aprendera, mesmo antes de ir ouvir Berma, que, qualquer que fosse a coisa que eu amasse, esta nunca estaria senão no termo de uma perseguição dolorosa, durante a qual eu teria de começar por sacrificar o meu prazer a esse bem supremo, em vez de o procurar nele."
Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido (II - à Sombra das Jovens em Flor)
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