sábado, 11 de setembro de 2010

"E, contudo, talvez eu não fizesse mal em sacrificar os prazeres, não só da mundanidade mas também da amizade, ao de passar todo o dia naquele jardim. Os seres que têm essa possibilidade - é verdade que são os artistas e havia muito que eu estava convencido de que nunca o seria - também têm o dever de viver para si próprios; ora a amizade é uma dispensa desse dever, uma abdicação de si. A própria conversa, que é o modo de expressão da amizade, é uma divagação superficial que não nos permite adquirir nada. Podemos conversar durante a vida inteira sem fazermos mais do que repetir indefinidamente o vazio de um minuto, ao passo que a marcha do pensamento no trabalho solitário da criação artística se faz no sentido da profundidade, a única direcção que não nos está vedada, onde podemos progredir, embora com mais dificuldade, para alcançar a verdade. E a amizade não é só destituída de virtudes como a conversa, é também funesta. Pois a impressão de tédio que não podem deixar de sentir ao pé de um amigo, isto é, ficando à superfície de si próprios, em vez de prosseguirem a sua viagem de descobertas nas profundezas, aqueles de entre nós cuja lei de desenvolvimento é puramente interna, essa impressão de tédio, a amizade convence-nos a rectificá-la quando nos vemos de novo sozinhos, a lembrar com emoção as palavras que o nosso amigo nos disse, a considerá-las como um precioso dom, embora não sejamos como edifícios a que se podem acrescentar pedras de fora, mas como árvores que tiram da sua própria seiva o nó seguinte do seu tronco, a camada superior da sua fronde."
Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido (II - à Sombra das Jovens em Flor)
(Ler na língua original)

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