sábado, 11 de setembro de 2010

"Preferiu, pois, às palavras que poderiam vingar o seu amor-próprio as que me podiam instruir. «Não há homem, por mais sábio que seja», disse-me, «que numa determinada época da sua juventude não tenha pronunciado palavras, ou mesmo levado uma vida, cuja recordação não lhe seja desagradável e que não desejaria ver anuladas. Mas não deve lamentá-lo, pois só pode ter a certeza de se ter tomado um sábio, na medida em que isso é possível, se passou por todas as incarnações ridículas ou odiosas que devem preceder a esta derradeira incarnação. Sei que há jovens, filhos e netos de homens distintos, a quem os seus preceptores ensinaram a nobreza de espírito e a elegância moral desde o colégio. Talvez não tenham de apagar nada da sua vida, poderiam publicar e assinar tudo o que disseram, mas são uns pobres espíritos, descendentes sem força de doutrinários e de uma sabedoria negativa e estéril. A sabedoria não se recebe, temos de descobri-la sozinhos após um trajecto que ninguém pode fazer por nós e que ninguém nos pode poupar, pois é um ponto de vista sobre as coisas. As vidas que você admira, as atitudes que considera nobres não foram arranjadas pelo pai de família ou pelo preceptor, foram precedidas de começos muito diferentes, tendo sido influenciadas por aquilo que reinava à sua volta, de mal ou de banalidade. Representam um combate e uma vitória. Compreendo que a imagem daquilo que fomos no primeiro período já não seja reconhecível e, em todo o caso, seja desagradável. Todavia, não deve ser renegada, pois é um testemunho do que de facto vivemos, de que é segundo as leis da vida e do espírito que, dos elementos comuns da vida, da vida dos ateliers, dos meios artísticos quando se trata de um pintor, extraímos algo que os ultrapassa.» Tínhamos chegado à porta da sua casa."
Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido (II - à Sombra das Jovens em Flor)
(Ler na língua original)

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