sábado, 8 de janeiro de 2011

"As maneiras dos Guermantes não eram inteiramente uniformes em todos eles. Mas, por exemplo, todos os Guermantes'- dos que o eram verdadeiramente, quando vos apresentavam a eles, procediam a uma espécie de cerimónia, mais ou menos como se o facto de vos estenderem a mão ... fosse tão considerável como se se tratasse de vos sagrar cavaleiro. No momento em que um Guermantes, ainda que tivesse apenas vinte anos, mas seguindo já as pisadas dos mais velhos, ouvia o vosso nome pronunciado pelo apresentador, deixava cair sobre vós, como se não estivesse nada decidido a cumprimentar-vos, um olhar geralmente azul, sempre da frieza de um aço que parecia prestes a mergulhar-vos nos mais profundos recônditos do coração. De resto, era com efeito o que os Guermantes pensavam fazer, julgando-se todos psicólogos de primeira ordem. Julgavam também aumentar com esta inspecção a amabilidade do cumprimento que ia seguir-se, e que só vos seria feito com pleno conhecimento de causa. Tudo isto se passava a uma distância que, pequena se se tratasse de um passo de armas, parecia enorme para um aperto de mão e gelava tanto no segundo caso como teria gelado no primeiro, de modo que, quando o Guermantes, depois de uma rápida incursão efectuada nos últimos esconderijos da vossa alma e da vossa honorabilidade, vos julgara digno de passardes a encontrar-vos com ele, a sua mão, dirigida para vós na extremidade de um braço todo estendido, parecia apresentar-vos um florete para um combate singular, e essa mão estava, em suma, tão longe do Guermantes nesse momento que, quando então ele inclinava a cabeça, era difícil distinguir se vos saudava a vós ou à sua própria mão."
Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido (III - O Lado de Guermantes)

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