quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

“Bastante ajustada parece-me ser uma outra crítica que me é dirigida Não reconhecem em mim o sentido da realidade. Tanto as obras que escrevo como os pequenos quadros que pinto não correspondem à realidade. Quando escrevo, esqueço frequentemente tudo o que um leitor culto exige de um bom livro; na verdade, falta-me sobretudo o respeito pela realidade. Acho ser a realidade aquilo com que precisamos de nos preocupar o menos possível pois é suficientemente enfadonha, constantemente presente até, enquanto coisas mais bonitas e necessárias há a exigirem a nossa atenção e cuidado. A realidade é aquilo com que de modo algum nos podemos contentar, que de modo algum podemos louvar ou venerar, pois ela é o acaso, o-que-resta da vida. Ela é a realidade sórdida, sempre decepcionante, árida, impossível de modificar, a não ser que a neguemos, a não ser que mostremos ser mais fortes do que ela. Nas minhas obras literárias, sente-se frequentemente a falta daquela atenção habitual dada à realidade e quando pinto, as árvores têm rosto e as casas riem ou dançam ou choram; porém, na maior parte dos casos, não é possível saber se a árvore é uma pereira ou um castanheiro. Tenho de aceitar esta crítica.”
Hermann Hesse, Autobiografia Sumária

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