sábado, 8 de janeiro de 2011

" Hoje as pessoas de bom gosto dizem-nos que Renoir é um grande pintor do século XVIII. Mas ao dizerem-no, esquecem o Tempo e que foi preciso muito, mesmo em pleno século XIX, para que Renoir fosse considerado um grande artista. Para conseguirem ser assim conhecidos, o pintor original, o artista original, procedem à maneira dos oculistas. O tratamento pela sua pintura, pela sua prosa, nem sempre é agradável. Quando termina, o clínico diz-nos: «Agora olhe.» E eis que o mundo (que não foi criado uma única vez, mas todas as vezes que surgiu um artista original) nos aparece inteiramente diferente do antigo, mas perfeitamente claro. Mulheres passam pela rua, diferentes das de outrora, pois são Renoir, esses Renoir em que dantes nos recusávamos a ver mulheres. As carruagens também são Renoir, bem como a água e o céu: temos vontade de passear na floresta idêntica à que, no primeiro dia, nos parecia tudo menos uma floresta, por exemplo, uma tapeçaria de vários matizes, mas à qual faltassem justamente os matizes característicos das florestas. Tal é o universo novo e perecível que acaba de ser criado. Durará até à próxima catástrofe geológica que desencadearão um novo pintor ou um novo escritor originais."
Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido (III - O Lado de Guermantes)

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