segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

"Mas, desde que cheguei à estrada, foi um deslumbramento. Lá, onde só vira, com a minha avó, no mês de Agosto, folhas e como que o local das macieiras, elas estendiam-se a perder de vista, estavam em plena floração, de um luxo inaudito, com os pés na lama e de vestido de baile, sem tomarem precauções para não estragar o mais maravilhoso cetim rosado que jamais se vira e que o sol fazia brilhar; o horizonte afastado do mar fornecia às macieiras como que um fundo de estampa japonesa; se eu erguia a cabeça para olhar o céu entre as flores, que faziam parecer quase violento o seu azul tranquilo, dir-se-ia que se afastavam para mostrar a profundidade daquele paraíso. Sob esse azul, uma brisa ligeira mas fria fazia tremer levemente os ramos avermelhados. Melharucos azuis vinham pousar nos ramos e saltavam por entre as flores, indulgentes, como se um amador de exotismo e de cores  tivesse criado artificialmente aquela beleza viva. Mas comovia até às lágrimas porque, por mais longe que fosse nos seus efeitos de arte requintada, sentia-se que era natural, que aquelas macieiras estavam ali em pleno campo, como camponeses numa grande estrada de França. Depois, aos raios do sol sucederam-se subitamente os da chuva; zebraram todo o horizonte, encerraram a fila de macieiras na sua rede pardacenta. Mas estas continuavam a erguer a sua beleza, florida e rosada, ao vento tornado glacial sob a bátega que caía: era um dia de Primavera."
Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido (IV - Sodoma e Gomorra)

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