terça-feira, 29 de março de 2011

Pergunta a ti mesmo: "será que sofro e me aflijo sem motivo, que imagino um mal onde não existe?"
Estou a ouvir a tua pergunta: "Mas como hei-de eu saber se o que me atormenta é imaginário ou é real?" Aqui tens a receita! Os nossos tormentos existem ou no presente, ou no futuro, ou em ambos. Sobre o presente é fácil ajuizar. O teu corpo está são e escorreito, não foste vítima de qualquer violência física: pois amanhã logo se verá o que sucede, por hoje não há qualquer problema. ''Mas há-de haver!'' - dirás tu. Ora repara se podemos tomar como argumentos válidos os males futuros! O pânico que nos toma apenas provém de suspeitas, de ilusões. É como na guerra: um boato basta para dar como perdida a batalha; um mero boato faz dum homem um vencido! É assim mesmo, amigo Lucílio: aceitamos de chofre a opinião vulgar. Não observamos nem analisamos criticamente as causas dos nossos temores; enchemo-nos de medo e largamos a fugir como aqueles soldados que saem do acampamento por verem ao longe a poeira levantada por um rebanho, como aqueles a quem um boato anónimo enche de pânico. As angústias ilusórias são mesmo mais perturbadoras, não sei porquê! As autênticas ainda mantêm certos limites; as incertas, porém, dão toda a margem às conjecturas e fazem perder o norte aos ânimos medrosos. Não há tipo de terror tão funesto, tão incontrolável como o pânico; se o medo faz perder a razão, o pânico gera a completa loucura. Analisemos, portanto, a situação com o máximo cuidado. É natural que no futuro nos suceda um mal qualquer: o facto é que de momento ainda não existe. E quanta coisa não sucede sem nós esperarmos! Quanta coisa nós esperamos que nunca sucede! Mesmo que seja certo um mal futuro, para quê começar a sofrer antecipadamente? Logo sofrerás quando ele chegar; por agora, pensa em coisas mais agradáveis. Assim irás aproveitando o teu tempo: já é uma vantagem! Muitas circunstâncias podem surgir que suspendam, eliminem ou desviem sobre outro um perigo próximo, ou mesmo já iminente. Um incêndio pode permitir-nos a fuga; um edifício que tomba em ruínas pode depositar-nos no chão, ilesos; uma espada prestes a degolar-nos pode ser desviada; e há quem tenha sobrevivido ao carrasco que lhe fora designado. A adversidade também tem a sua inconstância. Talvez nos atinja, ou talvez não; entretanto está longe: pensemos em coisas mais alegres!
Séneca, Cartas a Lucílio

Sem comentários:

Enviar um comentário