terça-feira, 5 de abril de 2011

Às vezes, com efeito, quando me levantava para ir buscar um livro ao gabinete do meu pai, a minha amiga, tendo-me pedido licença para entretanto se estender, estava tão cansada da longa excursão da manhã e da tarde, ao ar livre, que, mesmo que eu só tivesse estado um instante fora do quarto, quando lá chegava, encontrava Albertine adormecida, e não a acordava. Estendida ao comprido na minha cama, numa atitude de uma naturalidade que não se teria podido inventar, eu achava-lhe o ar de um longo caule em flor que houvessem colocado ali; e, com efeito, era assim: a faculdade de sonhar, que eu só tinha na sua ausência, reencontrava-a naqueles instantes junto dela, como se dormindo se houvesse tornado uma planta. Nisso, o seu sono realizava em certa medida a possibilidade do amor: sozinho, eu podia pensar nela, mas fazia-me falta, não a possuía; presente, eu falava-lhe, mas estava demasiado ausente de mim mesmo para poder pensar. Quando ela dormia, eu já não tinha de falar, sabia que já não era olhado por ela, já não tinha necessidade de viver à superfície de mim próprio.
Fechando os olhos, perdendo a consciência, Albertine despojara-se, um após outro, desses diferentes caracteres de humanidade que me haviam desiludido desde o dia em que a conhecera. Já não estava animada senão da vida inconsciente dos vegetais, das árvores, vida mais diferente da minha, mais estranha, e que no entanto me pertencia mais. O seu eu não se escapava a todos os momentos, como ao conversarmos, pelas saídas do pensamento inconfessado e do olhar. Chamara a si tudo o que dela andava fora; tinha-se refugiado, fechado, resumido, no seu corpo. Tendo-o sob o meu olhar, nas minhas mãos, eu tinha essa impressão de possuí-la toda que não sentia quando estava acordada. A sua vida estava submetida a mim, e para mim exalava o seu leve sopro.
Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido (V - A Prisioneira)

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