terça-feira, 19 de abril de 2011

Sobre a Música...

O andante terminava nesse instante com uma frase cheia de uma ternura a que eu me dera inteiramente; então, antes do andamento seguinte, houve um instante de repouso em que os executantes pousaram os seus instrumentos e os ouvintes trocaram impressões. Para mostrar que era entendido, um duque declarou: «É muito difícil de tocar bem.» Pessoas mais agradáveis conversaram um momento comigo. Mas que eram as suas palavras, que, como toda a palavra humana exterior, me deixavam tão indiferente, ao lado da celeste frase musical com que acabava de me entreter? Eu era na verdade como um anjo que, expulso das delícias do Paraíso, cai na mais insignificante realidade. E assim como certas pessoas são as últimos testemunhas de uma forma de vida que a natureza abandonou, eu pensava para comigo se a Música não seria o exemplo único do que poderia ter sido - se não tivesse havido a invenção da linguagem, a formação das palavras, a análise das ideias - a comunicação das almas. É como uma possibilidade que não teve prosseguimento; a humanidade enveredou por outros caminhos, o da linguagem falada e escrita. Mas esse regresso ao não analisado era tão inebriante que, ao sair desse paraíso, o contacto com os seres mais ou menos inteligentes me pareia de uma insignificância extraordinária.
Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido (V - A Prisioneira)

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