sexta-feira, 13 de maio de 2011

Ah, como o meu amor por Albertine, cujo destino eu julgara poder prever à vista do que sentira por Gilberte, se desenvolvera em perfeito contraste com este último! Como me era impossível passar sem vê-la! E para cada acto, por mínimo que fosse, mas que outrora se banhava na atmosfera feliz que era a presença de Albertine, eu tinha sempre, à custa de novos esforços, e com a mesma dor, de recomeçar a aprendizagem da separação. Depois, a concorrência das outras formas de vida deixava na sombra essa nova dor, e durante esses dias, que foram os primeiros da Primavera, tive até, enquanto esperava que Saint-Loup pudesse ver a senhora Bontemps, ao imaginar Veneza e belas mulheres desconhecidas, alguns momentos de agradável serenidade. Logo que disso me apercebi, senti um terror pânico. A serenidade que acabava de gozar era a primeira aparição dessa grande força intermitente que em mim ia lutar contra a dor, contra o amor, e acabaria por vencê-los. Aquilo cujo antegozo acabava de sentir e cujo presságio acabava de aprender era, por um instante apenas, o que mais tarde haveria de ser em mim um estado permanente, uma vida em que já não poderia sofrer por Albertine, em que não mais a amaria. E o meu amor, que acabava de reconhecer o único inimigo por quem poderia ser vencido, o esquecimento, pôs-se a tremer, como um leão que viu de repente, na jaula onde acaba de ser fechado, a serpente pitão que o irá devorar.
Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido (VI - A Fugitiva)

Sem comentários:

Enviar um comentário