sábado, 7 de maio de 2011

Quando não tivesse mais que cinquenta mil francos de rendimento, poderia deixá-los a Albertine e matar-me. Foi a decisão que tomei. Fez-me pensar em mim. Ora, como o «eu» vive constantemente a pensar numa quantidade de coisas, como não é mais do que o pensamento dessas coisas, quando por acaso, em lugar de ter essas coisas em mente, pensa de repente em si mesmo, só encontra um aparelho vazio, qualquer coisa que não conhece e à qual, para lhe emprestar uma certa realidade, acrescenta a lembrança de um rosto visto no espelho. Aquele estranho sorriso, aquele bigode irregular, é isso que desaparecerá da face da terra. Quando dentro de cinco anos eu me matasse, deixaria de pensar em todas essas coisas que desfilavam incessantemente no meu espírito. Já não estaria à superfície da terra e nunca mais voltaria a ela, o meu pensamento deter-se-ia para sempre. E o meu «eu» pareceu-me então mais nulo, por vê-lo como algo que já não existe. Como poderia ser difícil sacrificar àquela para quem o nosso pensamento se volta constantemente (aquela a quem amamos), sacrificar-lhe esse outro ser em que nunca pensamos: nós mesmos? Assim, por essa via, esse pensamento da minha morte pareceu-me, como a noção do meu «eu», singular; não me foi nada desagradável.
Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido (VI - A Fugitiva)

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