sábado, 21 de janeiro de 2012

Ai quem vira Toledo em vésperas de festa, com os seus toldos pardos escondendo o céu sobre as ruas! Esse Toledo nocturno pressentido em cada luar de farol, em cada velho prego de portal, em cada armadura de solar em cujos pátios, onde arde uma lamparina, passa devagar uma mulherzinha discreta, um pequeno fantasma de chinelos de corda mergulhado na sua rotina palaciana. Toledo de noite, não há nada de mais empolgante, de mais doce e comovedor! Se a linguagem necessária aqui é a dos sentimentos, então que nos estale a alma de sentir, que se nos abra no peito uma fonte donde saiam as recordações! Não, não temamos os sentimentos quando eles exprimem a noite de Toledo! Cálida noite vagamente ébria de passos, de hesitações, de aventuras que não penetram além dum casto beco de monjas! Atrás das reixas alguém medita, uma mulher cisma, outra levanta no ar o botijo de água. Rasteiros gatos cruzam os largos, os vultos das varandas envidraçadas parecem segurar ainda uma agulha sobre a costura - e ficaram, sem sorriso, sem perguntas, sem rosto, nos seus nichos onde escorre a água das flores como um fio de mel sobre a calçada.
Agustina Bessa-Luís, Embaixada a Calígula

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