(...) O silêncio dum estúpido tem incluída toda a gama da sua tolice, repele como uma brutalidade e aflige como as palavras mais insensatas; mas quando um homem inteligente delibera estar calado, pode exprimir uma qualidade notável, a da antipatia e da oferta rara do seu segredo, que é decerto o melhor sentimento do convívio. De maneira nenhuma um silêncio se parece com outro silêncio. Se cada pessoa se define pelas palavras que profere, pela capacidade de manifestar as suas ideias, todas se distinguem no silêncio de que são capazes. Há silêncios místicos e silêncios timoratos. Há os que podem mover o mundo e os que não têm mais força que a imutável presença dum réptil entorpecido. Há o silêncio delicado do sábio e há o silêncio tenebroso do traidor. Se uns são delirantes, outros podem ser loquazes e cheios de risos; se aqueles balbuciam, outros exclamam. O silêncio é, de todas as manifestações humanas, a que tem talvez mais poder; o que não se obtém com a cursiva forma escrita, com a convicção da voz e a intimação da palavra, o silêncio pode-o conseguir, pois age sobre a imaginação e, mais directamente, sobre a consciência. fu pessoas que nada têm para confessar ou que confessam demasiado são quase sempre sinistras ou mentirosas. Mas alguém que é como uma gota viva de mercúrio, que se agita inventivamente, que é perseverante no silêncio e ocupado no seu ser, é uma espécie de fábula. Entre uma multidão que se interpela, que se exprime afanosamente, que se chama à distância, que se abre em aberrantes votos de confiança, que se oferece, que se interessa, que arma pavilhões e convida amigos e desperta vizinhos, encontrar alguém que está calado e permite que façamos a respeito dele suposições erradas e fantásticas - isso é como descobrir a pedra filosofal. Para o diabo o mundo elástico das boas intenções, as campainhas no pescoço do belo senso; para o diabo os sindicatos da simpatia, o quase entendimento, a meia-verdade, o saltinho sobre o ombro da minúscula razoabilidade! Fechem as máquinas de falar, desandem os botões da verbosidade, façam má cara aos visitantes, despeçam os oradores oficiais, cancelem o contrato dos conferencistas. Silêncio, silêncio ... Escondam o rosto um momento, desçam as cortinas, preguem as janelas, chorem, se quiserem, mas silêncio! Dai tempo a ouvir um anjo que passa, uma cigarra que canta, uma pedra que rola, uma flor que morre. Também isto é sério, também isto é justo, também isto é revelação, e caridade, e inteligência. Dai tempo a vós próprios, que sois vivos e que o podeis saber. E silêncio.
Agustina Bessa-Luís, Embaixada a Calígula
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