terça-feira, 31 de janeiro de 2012

A Catedral de Milão, sob o céu cinzento e a chuva miúda que continua a cair, tem o aspecto dum coral submerso, eriçado de agulhas finas, como que arrepiadas pela força das correntes. Situada no centro da cidade, ela ergue-se com uma majestade fria a que falta talvez a sensibilidade do gótico puro ou a razão grave do românico. Há, nesta catedral belíssima e que cativa à primeira vista, algo de ligeiro, de aéreo, de culto, que não condiz com um verdadeiro sentimento religioso; é, pelo contrário, uma obra quase pagã, cheia de controvérsia, de alegria mundana, de convencionalismo e de arrebatamento. Uma cidade tão perturbada, acometida por diferentes invasores, dominada por senhores de diversos temperamentos, não podia deixar de manifestar-se neste imenso bloco de mármore rosado que ergue as suas flechas onde se equilibra uma floresta de imagens.
Agustina Bessa-Luís, Embaixada a Calígula 

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