sábado, 21 de janeiro de 2012

De toda essa profusão de tesouros fica-nos uma impressão que não acertamos a exprimir. Fernando III disse, quando, entre tesoureiros e arquitectos, se propôs erguer a Catedral de Toledo: «Hagamos una fábrica tal que nuestros descendientes nos tengan por locos.» Mas não pensamos hoje que fossem loucos os seus construtores e os que a inspiraram. É uma obra que afirma a maturidade dum reino, com a sua sociedade de cavaleiros, a sua determinação que se chamará espírito épico, a sua rasgada forma de actuar. «Que nuestros descendientes nos tengan por locos.» É estranho pensar que nem um só povo do mundo seria hoje capaz dum voto assim, de enfrentar assim as idades que lhes sucederão, mas antes se encostam uns aos outros e copiam sisudamente as suas civilizações, desgostosos quando se acham pobres, incapazes quando se julgam ultrapassados. «Sejamos razoáveis» - dizem, suavemente. Razoáveis no ódio e no pecado, tímidos no empreender, frouxos no amar, desconfiados no sentir, cobardes no julgar. No entanto, que catedrais estão suspensas da nossa mão, que capelas estão por edificar no coração das criaturas, que torres para levantar e que portas para abrir! «Façamos uma obra tal que os nossos descendentes nos tenham por loucos.» Desertemos da razão avelhentada e fútil em que andamos, deixemos de lado as capas de burocratas, tomemos do pensamento o novo e o que não foi tentado ainda, e não ponhamos reflexão onde devia estar sabedoria - porque se a sabedoria é, acima de tudo, actividade, a reflexão é pessimismo, e malícia muitas e muitas vezes. 
Agustina Bessa-Luís, Embaixada a Calígula

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