terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Há uma atmosfera chorosa e erótica nesse Lago de Garda; estrídula música de jazz ressoa na esplanada, onde continuamente chegam excursões e onde, sob a chuva, se assestam mais uma vez as máquinas fotográficas. É uma paisagem pervertida pelo turismo e onde outrora talvez houvesse pequenos estúdios com um piano e uma velha salamandra de ferro, arrendados a Lawrence ou a Stendhal. Ouvir-se-ia o bater dos remos na água, um bando de patos sairia de entre os juncos nadando modestamente, e o rodar gingado duma carruagem pareceria despistar o melhor ouvido para os lados da estrada de Verona. Não há como estes lugares privilegiados da natureza, onde a imensa luz desperta a inspiração da verdadeira poesia, para sentirmos que a solidão se vai escapando das nossas vidas, sem deixar nada de elevado e prudente no coração humano. Todos os rios estão cheios de corpos que se banham e que expulsam o delicado voo das pombas bravas; todos os vales se apresentam cobertos de detritos e de enferrujadas chaves de conservas; todas as praias foram devassadas, e oferecidos nos seus areais os festins burgueses, com as suas talhadas de melancia espirrando por toda a parte as negras sementes.
Agustina Bessa-Luís, Embaixada a Calígula 

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