quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

O panorama da Renascença não é, de maneira nenhuma, um poema de acções excelentes e um idílio com a arte. Nesta Florença sufocante e agitada, onde os Médicis moviam a sua superficial política e o seu ardor ambicioso, o ar devia ser irrespirável, apesar dos jardins onde se discutia Dante e das obras que iam sendo levadas a cabo nas oficinas miseráveis. Um Miguel Ângelo queixava-se de calúnias, de injustiças, do impuro contacto com a sua época, e vergava a fronte para executar as encomendas dos seus inimigos e carrascos dos seus companheiros; a opressão maculava todos os corações, a impaciência aguçava os ânimos, criava engenhos, distribuía um génio prodigioso. Choravam os homens para realizar melhor as suas tarefas, para inventar as obras novas, para corrigir o seu tempo com açoutes de condenação e de terror. Toda a grandeza surgia da dor e da perseverança, e as doces colinas toscanas, os campos suavíssimos da Úmbria, serviam de contraste a perfis cuja crueldade, cuja infâmia, inspiravam a luta e o renascimento. 
Agustina Bessa-Luís, Embaixada a Calígula

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