Quando Fílon sai de Alexandria com os seus papiros defendidos das tempestades do Mediterrâneo e se dirige com os seus companheiros, entre os quais apenas quer sobressair pela idade mais avançada, está a legar aos homens de todos os tempos a sua Embaixada a Calígula. É um passo que fica submerso entre mil acontecimentos mais notáveis, como as expedições malogradas e a administração das colónias romanas ou os atentados contra os Césares; é um facto que não suscita grandes boatos e não faz agrupar os mercadores nos portos, nem faz com que as donzelas suspirem enquanto coroam os seus Lares. Mas possui um significado tão intenso que nos chega intacto aos nossos olhos e que nos conduz à meditação depois de muitos séculos, de muitas aquisições dos homens sobre os seus próprios mistérios, e da decadência de alguns dos seus mitos. Quase nada - a petição dum povo pela boca dum humilde sábio e que pretende assegurar a liberdade das suas leis sagradas, a possibilidade de continuar a temer apenas o seu Deus, e de estar sujeito à voz do Sinai. Esse estranho Fílon, pálido, de rosto triangular e olhos dum brilho extraordinário, conduz na nossa época ainda a sua embaixada de doutores e letrados, de poetas e mensageiros que procuram Calígula e lhe dizem: «Deixa que não te julguemos um deus.»
Agustina Bessa-Luís, Embaixada a Calígula
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