domingo, 4 de março de 2012

Eu gosto da Holanda. Não sou insensível ao arrumo, à eficiência, aos direitos, à correcção, às certezas, confortos e seguranças que ela me oferece. Gosto da Holanda mesmo naquilo em que ela diametralmente se opõe a outras simpatias minhas, como por exemplo a paisagem.
Homem de montes, não me posso apaixonar pela assustadora planura do pólder, onde outros respiram livremente, mas que a mim asfixia. Os meus olhos precisam de esbarrar contra encostas, alegram-se ao seguir as curvas das serranias, anseiam por imaginar o horizonte que se esconde. Mesmo assustando-me, porém, devo confessar que o pólder impressiona, tem grandeza e embora de maneira bem diferente da das montanhas igualmente me esmaga com a sua imponência, tornando-me mais diminuto do que sou, mais vulnerável aos mistérios que ameaçam e aos mistérios que confortam.
Se o não fosse, tornar-me-ia crente ao caminhar pelas veredas rectilíneas e infinitas que cortam a planura, com um horizonte que a cada passo mais se afasta, a provar a inutilidade de todas as jornadas, as do corpo como as do espírito. E ao horizonte da terra sucede-se o do mar, igualmente sem fim, mudando do negro para o azul translúcido, do cinzento metálico das manhãs para o glorioso vermelho do poente.
Águas bucólicas e calmas, espelhos onde o pensamento e os olhos encontram repouso, distraídos pelos reflexos delicados e os infinitos matizes de cor. Torres e catedrais tão diferentes das que se elevam na minha terra. Aqui elas são solenes e sombrias, sem enfeites, criando entre os homens e o seu Deus uma relação gélida, a reforçar a angustiosa certeza de que nenhum fiel é verdadeiramente digno do Senhor, que muitos serão os chamados, muito poucos os escolhidos.
É nessas igrejas, contudo, que tenho encontrado mulheres e homens de verdadeira fé, aquela fé que eu desejaria ter, pura, indivisível, alegre, insensível aos argumentos especiosos, segura de si. Nas ruas, nos campos, nas fábricas e nos escritórios, tenho encontrado também os que afanosamente trabalham. Uns acicatados pelo ganho, a precaver-se contra desastres futuros, outros achando satisfação bastante na tarefa realizada. Todos, porém, solidários e conscientes da necessidade do bem comum, da importância de manter e aumentar o património.
J. Rentes de Carvalho, Com os Holandeses

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