Existe na língua portuguesa uma palavra, «saudade», estranha, intraduzível, que designa a recordação nostálgica de pessoas, terras, coisas e sentimentos distantes ou passados, e o desejo de tudo reviver. Essa é mais ou menos a definição que dela dão os dicionários. Porém, o sentimento da saudade, ao que dizem exclusivamente português, é mais complexo do que a explicação sumária dada pelos filólogos, chegando a abranger as nostalgias hipotéticas e impossíveis, fazendo até ressentir dolorosamente ausências e perdas irreais.
Parece complicado, mas na realidade não é. Alguns estrangeiros que visitam Portugal, ao deixar que depois de um dia de sol o vinho lhes amacie a alma e o coração, quando ouvem pela primeira vez a melodia dolente do fado ressentem um baque estranho, indefinível, que lhes enche os olhos de lágrimas.
Esse é o primeiro passo. A saudade aparece logo a seguir, e quem a ela se entrega só com esforço retorna à normalidade. Os portugueses, que recebem esse baque logo à nascença, vêem a sua vida regida por esse estranho sentimento, chegando alguns ao extremo de sentir saudade da saudade, o que lhes ocasiona mudanças repentinas de humor, fazendo-os passar sem aviso da alegria intensa à melancolia profunda. Outros, igualmente complicados, não podem evitar sofrer já hoje da saudade que só no futuro deveriam sentir.
A essa última categoria pertenço eu. E assim me verão palmilhar as ruas de Amsterdam sem razão nem destino, envolto pela turba que passa, ou meter pelos atalhos e as estradas da província, parando nos molhes, subindo aos diques, caminhando longamente pelas praias e pelos bosques. A temer o momento em que, longe da Holanda, ela se torne para mim uma saudade.
J. Rentes de Carvalho, Com os Holandeses
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