sábado, 4 de agosto de 2012


Sentamo-nos e comemos com gosto, e depois disso retiramo-nos para a cama extenuados.
Para a cama - mas não para descansar! Nunca fui pessoa que tivesse uma aversão exagerada a ratos. Um rato ou outro num quarto, casualmente, sempre me deixaram impassível, e numa ocasião cheguei mesmo a sentir afeição por um intruso perseverante a quem chamava afectuosamente (embora sem lhe conhecer o sexo) Elsie.
Mas a nossa primeira noite em Amuda foi uma experiência que nunca esquecerei.
Assim que apagámos os candeeiros, dezenas de ratos - na verdade creio que seriam às centenas - saem dos buracos das paredes e do chão. Correm alegremente por cima das nossas camas, chiando ao mesmo tempo. Ratos por cima da cara, ratos a puxarem-nos os cabelos - ratos! Ratos! RATOS!. ..
Acendo uma lanterna. Horrível! As paredes estão cobertas de criaturas estranhas, pálidas e rastejantes, parecidas com baratas! Está um rato sentado aos pés da minha cama a cuidar dos bigodes!
Há coisas rastejantes horrorosas por todo o lado! Max pronuncia palavras calmantes.
Vê se dormes, diz ele. Quando estiveres a dormir, nenhuma dessas criaturas te apoquenta.
Excelente conselho, mas não é fácil de seguir! Primeiro, uma pessoa tem de adormecer e, com os ratos a fazerem exercício físico e desportos de ar livre em cima de nós, isso é pouco possível. Ou então não é possível para mim. Max parece ser capaz de o fazer sem problemas!
Esforço-me para reprimir os tremores da carne. Adormeço durante um instante, mas os pezinhos a correr pela minha cara acordam-me. Ligo a lanterna. As baratas aumentaram e uma enorme aranha negra está a descer do tecto por cima de mim!
A noite assim continua, e sinto vergonha de dizer que às duas da madrugada fico histérica. Declaro que quando amanhecer vou para Kamichlie esperar pelo comboio e volto directamente para Alepo! E de Alepo sigo directa para Inglaterra! Não consigo suportar esta vida! Não vou aguentar isto! Vou para casa!
Max trata da situação de forma magistral. Levanta-se, abre a porta e chama por Hamoudi.
Cinco minutos depois já as nossas camas foram arrastadas para o pátio. Fico algum tempo deitada a olhar para o céu estrelado e tranquilo por cima de nós. O ar é fresco e doce. Adormeço. Max, suponho, dá um suspiro de alívio antes de adormecer também.

Não é verdade que vais voltar para Alepo? , pergunta Max na manhã seguinte, ansioso.
Coro um pouco, ao lembrar-me do meu acesso de histeria. Não, respondo; na verdade, não me iria embora por nada deste mundo. Mas vou continuar a dormir no pátio!
Hamoudi explica em tom tranquilizador que em breve tudo estará como deve ser. Os buracos no quarto vão ser tapados com gesso. Será caiado outra vez. Além disso, está para chegar um gato; é emprestado. É um super-gato - um gato altamente profissional.
Que noite foi a dele, pergunto a Mac, quando ali chegou com Hamoudi? Correram-lhe bichos por cima toda a noite?
«Acho que sim», diz Mac, calmo como sempre. «Mas eu estava a dormir.»
Maravilhoso Mac!
O nosso gato chega à hora do jantar. Nunca esquecerei aquele gato! Tal como Hamoudi anunciou, é um gato altamente profissional. Conhece bem o trabalho para que foi contratado e começa a executá-lo de uma forma realmente especializada.
Enquanto jantamos ele agacha-se, de emboscada, atrás de um caixote. Quando falamos, ou nos mexemos, ou fazemos muito barulho, lança-nos um olhar impaciente. «Tenho de vos solicitar», diz o olhar, «que estejam calados. Como posso eu fazer o meu trabalho sem colaboração?» A expressão do gato é tão feroz que nós obedecemos prontamente, falamos em segredo e comemos tilintando o menos possível os pratos e os copos.
Durante a refeição, por cinco vezes um rato aparece e atravessa o chão, e cinco vezes o nosso gato salta. A sequência é imediata. Não há cá perdas de tempo à maneira ocidental, nada de brincar com a vítima. O gato simplesmente arranca a cabeça ao rato com uma dentada, tritura-a com os dentes e prossegue com o resto do corpo! É horrível quanto baste e inteiramente profissional.
O gato fica na nossa companhia cinco dias. Após esses cinco dias não se vê um único rato. O gato vai-se embora e os ratos nunca mais voltam. Nunca conheci, nem antes nem depois, um gato tão profissional. Não tinha qualquer interesse em nós, nunca pediu leite nem um pouco da nossa comida. Era frio, científico e impessoal. Um gato muito prendado!
(...)
A casa agora já está organizada. O quarto onde inicialmente dormimos, e que ainda é percorrido pelas baratas de noite, é o gabinete de desenho. Ali, Mac pode trabalhar em solidão, livre de contactos humanos. De qualquer modo, ele é totalmente indiferente às baratas!
(...)
Onde era a casa do padre são três quartos de cama - livres de ratos (graças ao nosso gato), livres de baratas (graças à abundante caiação?), mas infelizmente não livres de pulgas!
Vamos ter muito que sofrer com as pulgas. A pulga tem uma energia abundante e parece ter uma vida milagrosamente protegida. Medra com o Keatings e com o Flit, e com toda a espécie de insecticida para pulgas. Esfregar as camas com ácido carbónico só serve para estimular as pulgas a fazerem exibições de atletismo ainda maiores. Não é tanto a mordedura das pulgas, explico eu a Mac. É a sua inesgotável energia, as suas corridas de saltos intermináveis em volta da nossa barriga, que nos esgotam a paciência. É impossível que o sono nos vença quando as pulgas andam a praticar os seus divertimentos nocturnos em torno da nossa cintura sem parar.
Max sofre mais do que eu com as pulgas. Um dia apanhei e matei cento e sete no cordão do seu pijama! Ele diz que acha as pulgas enervantes. Dir-se-ia que eu só apanho as sobras de pulgas - isto é, aquelas que não conseguiram arranjar domicílio em Max. As minhas são pulgas de segunda categoria, pulgas inferiores, sem qualificação para o salto em altura! 

Agatha Christie, Na Síria

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