Ora sucede que a vida
familiar do ganso cinzento é para Lorenz o espelho ideal, que mostra
as falhas do instinto no homem. Cita o pai, que dizia: «Depois do
cão, o ganso cinzento é o animal mais adequado para uma associação
com os seres humanos.» De facto, nunca se cansa de citar o pai, como
repositório do bom-senso antigo e são; e deve ter sido muito
reconfortante para ambos verificar que a sociedade dos gansos se
adaptava aos ideais da família de classe-média-alta do extinto
Império Austro-Húngaro.
Os gansos são
monogâmicos. Apaixonam-se e ficam apaixonados. Têm longos rituais
de namoro, que culminam numa espécie de cerimónia matrimonial. Os
machos libertam as pulsões agressivas em lutas que marcam uma
hierarquia de linhagem. Os rivais vencidos partem sós e ficam
deprimidos e sujeitos a acidentes. Às vezes, um ganso seduz a fêmea
doutro e daí resulta um divórcio. Se um dos parceiros morre, o que
lhe sobrevive fica de luto. Os gansos de baixa estirpe respeitam os
seus melhores e os mais idosos e observam como espectadores quando os
aristocratas lutam. Quando ameaçada por um perigo exterior, toda a
colónia de gansos toca a rebate e mostra um entusiasmo militante.
O princípio hereditário
confirma-se, na medida em que os pequenos gansos bem-nascidos
afugentam os adultos de baixa extirpe, desde que se encontrem no seu
próprio território. Às vezes dois machos (até três) criam um
vínculo homossexual, embora nenhum consinta em desempenhar um papel
passivo. Estes irmãos de sangue são mais fortes do que «qualquer
casal normal em coragem e capacidade de luta», e «ocupam sempre uma
alta posição na hierarquia social». Escusado será dizer que os
gansos de raça pura são superiores - moral e fisicamente - aos
gansos de quinta, cujos serviços são por vezes requisitados no lago
Alm para chocar ovos nos ninhos: «estas
criaturas, tornadas
estúpidas pelos muitos anos de domesticidade, são incapazes de uma
incubação capaz: perderam os padrões bem definidos de
comportamento instintivo, que demonstra o ganso cinzento.»
Lorenz não dá sinais de
abandonar a visão da grande cidade como pátio de quinta ampliado,
que favorece a selecção de indivíduos com aberrações genéticas
e cujo comportamento inconsiderado é tão repugnante como a sua
aparência atrofiada. Quando há alguns anos o visitei, disse-me:
«Desde que vivo aqui, em Altenberg, tenho dado conta de uma
progressiva cochonification dos rapazes que nadam no Danúbio.
Como é que se diz em inglês? Porquificação! Rapazes gordos e
homens gordos! Passa-se o mesmo com os animais domésticos ... Total
falta de exigência nos hábitos alimentares!»
«Mas a culpa», disse eu,
«é dos fabricantes de alimentos. Não é genético.»
«Não me interessa se a
degeneração é cultural ou genética, sei é que a degeneração
cultural é dez vezes mais rápida do que a degeneração genética.
Mas uma cultura comporta-se exactamente como uma espécie!»
Bruce Chatwin, Anatomia da Errância
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