domingo, 30 de setembro de 2012


Ora sucede que a vida familiar do ganso cinzento é para Lorenz o espelho ideal, que mostra as falhas do instinto no homem. Cita o pai, que dizia: «Depois do cão, o ganso cinzento é o animal mais adequado para uma associação com os seres humanos.» De facto, nunca se cansa de citar o pai, como repositório do bom-senso antigo e são; e deve ter sido muito reconfortante para ambos verificar que a sociedade dos gansos se adaptava aos ideais da família de classe-média-alta do extinto Império Austro-Húngaro.
Os gansos são monogâmicos. Apaixonam-se e ficam apaixonados. Têm longos rituais de namoro, que culminam numa espécie de cerimónia matrimonial. Os machos libertam as pulsões agressivas em lutas que marcam uma hierarquia de linhagem. Os rivais vencidos partem sós e ficam deprimidos e sujeitos a acidentes. Às vezes, um ganso seduz a fêmea doutro e daí resulta um divórcio. Se um dos parceiros morre, o que lhe sobrevive fica de luto. Os gansos de baixa estirpe respeitam os seus melhores e os mais idosos e observam como espectadores quando os aristocratas lutam. Quando ameaçada por um perigo exterior, toda a colónia de gansos toca a rebate e mostra um entusiasmo militante.
O princípio hereditário confirma-se, na medida em que os pequenos gansos bem-nascidos afugentam os adultos de baixa extirpe, desde que se encontrem no seu próprio território. Às vezes dois machos (até três) criam um vínculo homossexual, embora nenhum consinta em desempenhar um papel passivo. Estes irmãos de sangue são mais fortes do que «qualquer casal normal em coragem e capacidade de luta», e «ocupam sempre uma alta posição na hierarquia social». Escusado será dizer que os gansos de raça pura são superiores - moral e fisicamente - aos gansos de quinta, cujos serviços são por vezes requisitados no lago Alm para chocar ovos nos ninhos: «estas
criaturas, tornadas estúpidas pelos muitos anos de domesticidade, são incapazes de uma incubação capaz: perderam os padrões bem definidos de comportamento instintivo, que demonstra o ganso cinzento.»
Lorenz não dá sinais de abandonar a visão da grande cidade como pátio de quinta ampliado, que favorece a selecção de indivíduos com aberrações genéticas e cujo comportamento inconsiderado é tão repugnante como a sua aparência atrofiada. Quando há alguns anos o visitei, disse-me: «Desde que vivo aqui, em Altenberg, tenho dado conta de uma progressiva cochonification dos rapazes que nadam no Danúbio. Como é que se diz em inglês? Porquificação! Rapazes gordos e homens gordos! Passa-se o mesmo com os animais domésticos ... Total falta de exigência nos hábitos alimentares!»
«Mas a culpa», disse eu, «é dos fabricantes de alimentos. Não é genético.»
«Não me interessa se a degeneração é cultural ou genética, sei é que a degeneração cultural é dez vezes mais rápida do que a degeneração genética. Mas uma cultura comporta-se exactamente como uma espécie!»

Bruce Chatwin, Anatomia da Errância

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