terça-feira, 2 de outubro de 2012

E, de facto, hoje, dia quinze de Abril, chegaram as andorinhas. Saímos todos para as ver e saudámo-las carinhosamente. Primeiro, descreveram dez ou doze maravilhosas curvas à volta da casa. O trajecto de algumas delas passou de raspão nos ninhos que construíram no ano passado, debaixo do beiral. Foram seguramente examiná-los para ver se lhes podiam ser ainda de alguma utilidade. Depois, aproximaram-se todas da cisterna para beber. E então presenciámos isto. A menina da pensão - uma miudinha loira, de olhos azuis - descobriu que as andorinhas estão tolhidas.
- Mamã! - disse ela. - As andorinhas não conseguem manter-se direitas.
- E assim é, de facto. As andorinhas não conseguem estar direitas. As patas não as sustentam. Ao contrário da maioria dos pássaros, têm umas patas inúteis. Para beberem um pequeno trago na cisterna tiveram de colocar o seu diminuto tórax contra o muro. Algumas inclusive renunciaram a isto e bebem roçando o pequeno bico em cone pela superfície brilhante da água. Porque há ainda esta outra diferença: a andorinha é o pássaro que mais voa, aquele que tem mais horas de voo. Não faz apenas as suas longas viagens anuais. Além disso, vivendo como vive dos pequenos mosquitos que flutuam no ar, vê-se obrigada a voar constantemente. Quando a andorinha descobre um mosquito, abre a sua enorme boca e acelera o voo. O mosquito entra por ela dentro e desaparece como que por encanto. E esta é a forma que as andorinhas têm de matar mosquitos.
O curioso é isto: as andorinhas costumam usar os campanários como eixo das curvas que descrevem. Se algum dia fordes a alguma cidade decrépita, com uma catedral e um campanário elegante, vereis, geralmente ao entardecer, uma grande quantidade de andorinhas desenhando circunferências à volta do campanário. A finalidade destas curvas não é meramente decorativa, claro; este voo incessante tem uma finalidade alimentícia. Mas os poetas, que têm obrigação de ignorar a existência dos mosquitos, uniram estas graciosas linhas descritas pelas andorinhas e o seu piar romântico (que não é mais do que um feroz grito de caça) ao encanto das velhas pedras. E foi assim que alcançaram o prestígio literário de que gozam. (...) D. Santiago Rusiñol disse-me um dia, em Girona (onde há muitas), que aquilo que melhor acompanha o absinto é o voo e o piar das andorinhas. Rusiñol e os seus amigos chamavam à hora do absinto e das andorinhas a hora triste. Bonito. No entanto, nos últimos anos, as andorinhas perderam prestígio. A juventude de hoje não lhes liga nenhuma. Eu suspeito que a juventude de hoje passará pela vida sem se dar conta das pequenas, amáveis, se quiserem insignificantes mas únicas coisas que a vida contém. E isto é triste.
Sobre os pássaros, li há uns anos a célebre tese - clássica - de Espinas intitulada «As Sociedades Animais». É, talvez, uma tese um pouco antiquada, mas saber-se-á hoje, acerca destes animais, algo de mais substantivo e fundamental do que aquilo que foi dito por Espinas? Que vida levam os pássaros? Vivem em família ou em regime de anárquica liberdade? Segundo Espinas, responder a estas perguntas implica entrar no campo da diversidade pura.
Há espécies de pássaros que levam uma rigorosa vida de família. Aí estão os periquitos para o comprovar. Qual é, segundo parece, o ideal do periquito? É o próprio ideal professado por muitos maridos do nosso país e do estrangeiro: estar sempre, de manhã, à tarde e à noite, ao lado da periquita. E o ideal da periquita não parece outro do que o de viver constantemente ao lado do periquito. Tanta fidelidade, nestes patamares mais baixos da escala biológica, mais do que realidade positiva e real, parece uma fidelidade simbólica, um exemplo vivo da força do amor quando está iluminado pela luz da razão e do bom entendimento. Quer dizer: quando o amor se apresenta doseado com a conveniência.
Outros pássaros são monogâmicos só no momento de terem crias. Alguns chegam mesmo a ajudar a fêmea na tarefa de incubação dos ovos. Ternura. Depois, nascem os pequenos e abrem dentro do ninho aquelas bocas vermelhas e amarelas, tão grandes que temos sempre medo de que o pássaro se coma a si mesmo num momento de descuido, como quem dá a volta a uma peúga. O macho deve trazer alguma coisa a estes pequenos, pelo menos nos primeiros dias; mas quando os pequenos deixam o ninho fica provado que desaparecem todos os vínculos a que poderíamos chamar familiares. Os naturalistas dizem que há nos pássaros, entre pais e filhos e entre filhos e pais, a mesma sensibilidade e o mesmo apego que existe entre os peixes: quer dizer, absolutamente nenhuma sensibilidade e absolutamente nenhum apego. Desaparece a ternura. Depois, o macho vai-se embora - sem bater com a porta à maneira clássica, naturalmente - e vive com os amigos em regime de clube, de café ou de tertúlia - como o leitor preferir -, regime esse que dura, frivolamente, até à próxima cria. É assim que aparecem estas tertúlias voadoras de pássaros, estes bandos voando de ramo em ramo, fazendo piruetas e descrevendo curvas (...).
Há, finalmente, pássaros que vivem em plena liberdade, inclusive nos momentos de terem crias. O pardal vive em regime de tertúlia permanente e perpétua, e não lhe interessam nem os vínculos de sangue nem os sentimentos do passaredo, sentimentos que, mesmo se rudimentares, não podem deixar de existir.
Josep Pla, Viagem de Autocarro

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