- Mamã! - disse ela. - As
andorinhas não conseguem manter-se direitas.
- E assim é, de facto. As
andorinhas não conseguem estar direitas. As patas não as sustentam.
Ao contrário da maioria dos pássaros, têm umas patas inúteis.
Para beberem um pequeno trago na cisterna tiveram de colocar o seu
diminuto tórax contra o muro. Algumas inclusive renunciaram a isto e
bebem roçando o pequeno bico em cone pela superfície brilhante da
água. Porque há ainda esta outra diferença: a andorinha é o
pássaro que mais voa, aquele que tem mais horas de voo. Não faz
apenas as suas longas viagens anuais. Além disso, vivendo como vive
dos pequenos mosquitos que flutuam no ar, vê-se obrigada a voar
constantemente. Quando a andorinha descobre um mosquito, abre a sua
enorme boca e acelera o voo. O mosquito entra por ela dentro e
desaparece como que por encanto. E esta é a forma que as andorinhas
têm de matar mosquitos.
O curioso é isto: as
andorinhas costumam usar os campanários como eixo das curvas que
descrevem. Se algum dia fordes a alguma cidade decrépita, com uma
catedral e um campanário elegante, vereis, geralmente ao entardecer,
uma grande quantidade de andorinhas desenhando circunferências à
volta do campanário. A finalidade destas curvas não é meramente
decorativa, claro; este voo incessante tem uma finalidade
alimentícia. Mas os poetas, que têm obrigação de ignorar a
existência dos mosquitos, uniram estas graciosas linhas descritas
pelas andorinhas e o seu piar romântico (que não é mais do que um
feroz grito de caça) ao encanto das velhas pedras. E foi assim que
alcançaram o prestígio literário de que gozam. (...) D. Santiago
Rusiñol disse-me um dia, em Girona (onde há muitas), que aquilo que
melhor acompanha o absinto é o voo e o piar das andorinhas. Rusiñol
e os seus amigos chamavam à hora do absinto e das andorinhas a hora
triste. Bonito. No entanto, nos últimos anos, as andorinhas perderam
prestígio. A juventude de hoje não lhes liga nenhuma. Eu suspeito
que a juventude de hoje passará pela vida sem se dar conta das
pequenas, amáveis, se quiserem insignificantes mas únicas coisas
que a vida contém. E isto é triste.
Sobre os pássaros, li há
uns anos a célebre tese - clássica - de Espinas intitulada «As
Sociedades Animais». É, talvez, uma tese um pouco antiquada, mas
saber-se-á hoje, acerca destes animais, algo de mais substantivo e
fundamental do que aquilo que foi dito por Espinas? Que vida levam os
pássaros? Vivem em família ou em regime de anárquica liberdade?
Segundo Espinas, responder a estas perguntas implica entrar no campo
da diversidade pura.
Há espécies de pássaros
que levam uma rigorosa vida de família. Aí estão os periquitos
para o comprovar. Qual é, segundo parece, o ideal do periquito? É o
próprio ideal professado por muitos maridos do nosso país e do
estrangeiro: estar sempre, de manhã, à tarde e à noite, ao lado da
periquita. E o ideal da periquita não parece outro do que o de viver
constantemente ao lado do periquito. Tanta fidelidade, nestes
patamares mais baixos da escala biológica, mais do que realidade
positiva e real, parece uma fidelidade simbólica, um exemplo vivo da
força do amor quando está iluminado pela luz da razão e do bom
entendimento. Quer dizer: quando o amor se apresenta doseado com a
conveniência.
Outros pássaros são
monogâmicos só no momento de terem crias. Alguns chegam mesmo a
ajudar a fêmea na tarefa de incubação dos ovos. Ternura. Depois,
nascem os pequenos e abrem dentro do ninho aquelas bocas vermelhas e
amarelas, tão grandes que temos sempre medo de que o pássaro se
coma a si mesmo num momento de descuido, como quem dá a volta a uma
peúga. O macho deve trazer alguma coisa a estes pequenos, pelo menos
nos primeiros dias; mas quando os pequenos deixam o ninho fica
provado que desaparecem todos os vínculos a que poderíamos chamar
familiares. Os naturalistas dizem que há nos pássaros, entre pais e
filhos e entre filhos e pais, a mesma sensibilidade e o mesmo apego
que existe entre os peixes: quer dizer, absolutamente nenhuma
sensibilidade e absolutamente nenhum apego. Desaparece a ternura.
Depois, o macho vai-se embora - sem bater com a porta à maneira
clássica, naturalmente - e vive com os amigos em regime de clube, de
café ou de tertúlia - como o leitor preferir -, regime esse que
dura, frivolamente, até à próxima cria. É assim que aparecem
estas tertúlias voadoras de pássaros, estes bandos voando de ramo
em ramo, fazendo piruetas e descrevendo curvas (...).
Há, finalmente, pássaros
que vivem em plena liberdade, inclusive nos momentos de terem crias.
O pardal vive em regime de tertúlia permanente e perpétua, e não
lhe interessam nem os vínculos de sangue nem os sentimentos do
passaredo, sentimentos que, mesmo se rudimentares, não podem deixar
de existir.
Josep Pla, Viagem de Autocarro
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