Na cidade a religião é
menos bonita do que no campo, onde vivem camponeses cujo modo de vida
é só por si profundamente religioso. Na cidade a religião parece
uma máquina, e a máquina é uma coisa feia, mas no campo a fé em
Deus não se distingue de uma seara madura ou de um prado verde a
perder de vista ou do ondear fascinante de colinas levemente
arqueadas que têm no topo uma casa escondida onde vive gente
sossegada para quem a reflexão é como um amigo. Não sei, mas
parece-me que na cidade o pastor vive demasiado perto do especulador
da bolsa e do artista ateu. Na cidade, falta a devida distância à
fé em Deus. A religião tem aqui pouco céu e pouco cheiro a terra.
Não sei bem como dizer, e que tenho eu que ver com isso? A religião
é, na minha experiência, o amor à vida, um apego íntimo à terra,
a alegria do momento, a confiança no belo, a crença nos homens, a
ausência de preocupações no convívio com amigos, a vontade de
meditar e um sentimento de irresponsabilidade em caso de desgraça, é
sorrir diante da morte e mostrar coragem em todos os desafios que a
vida oferece. Nos últimos tempos, a nossa religião passou a ser um
sentido profundo e humano de decência. Se os homens forem decentes
entre si, também o serão aos olhos de Deus. Que mais pode Deus
querer? O coração e uma sensibilidade refinada podem em conjunto
criar um sentido de decência que agradará mais a Deus do que uma fé
fanática e obscurantista. Esta última, aliás, só poderá
desconcertar a divindade, que por fim já não quererá ouvir orações
tonitruantes nas suas nuvens. Que importância podem ter as orações
que tentam impor-se com sobranceria e deselegância, como se Deus
fosse duro de ouvido? Não teremos de o imaginar, se é que podemos
imaginá-lo, com um ouvido argutíssimo? Será que os sermões e a
música de órgão lhe agradam, a ele, o indizível? Pois bem, ele
sorrirá diante dos nossos esforços sempre tão cegos e terá a
esperança de que um dia nos ocorra dar-lhe um pouco de sossego.»
Robert Walser, Os Irmãos Tanner
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