quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Na cidade a religião é menos bonita do que no campo, onde vivem camponeses cujo modo de vida é só por si profundamente religioso. Na cidade a religião parece uma máquina, e a máquina é uma coisa feia, mas no campo a fé em Deus não se distingue de uma seara madura ou de um prado verde a perder de vista ou do ondear fascinante de colinas levemente arqueadas que têm no topo uma casa escondida onde vive gente sossegada para quem a reflexão é como um amigo. Não sei, mas parece-me que na cidade o pastor vive demasiado perto do especulador da bolsa e do artista ateu. Na cidade, falta a devida distância à fé em Deus. A religião tem aqui pouco céu e pouco cheiro a terra. Não sei bem como dizer, e que tenho eu que ver com isso? A religião é, na minha experiência, o amor à vida, um apego íntimo à terra, a alegria do momento, a confiança no belo, a crença nos homens, a ausência de preocupações no convívio com amigos, a vontade de meditar e um sentimento de irresponsabilidade em caso de desgraça, é sorrir diante da morte e mostrar coragem em todos os desafios que a vida oferece. Nos últimos tempos, a nossa religião passou a ser um sentido profundo e humano de decência. Se os homens forem decentes entre si, também o serão aos olhos de Deus. Que mais pode Deus querer? O coração e uma sensibilidade refinada podem em conjunto criar um sentido de decência que agradará mais a Deus do que uma fé fanática e obscurantista. Esta última, aliás, só poderá desconcertar a divindade, que por fim já não quererá ouvir orações tonitruantes nas suas nuvens. Que importância podem ter as orações que tentam impor-se com sobranceria e deselegância, como se Deus fosse duro de ouvido? Não teremos de o imaginar, se é que podemos imaginá-lo, com um ouvido argutíssimo? Será que os sermões e a música de órgão lhe agradam, a ele, o indizível? Pois bem, ele sorrirá diante dos nossos esforços sempre tão cegos e terá a esperança de que um dia nos ocorra dar-lhe um pouco de sossego.» 
Robert  Walser, Os Irmãos Tanner

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