quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Outonos...


Chegava o Outono. Simon percorrera muitas vezes ainda a viela nocturna e abafada, e continuava a fazê-lo, mas o tempo era agora mais inóspito. Sabia que lá fora, nos campos, as árvores começavam a perder a folhagem, mesmo sem lá ir e ver as folhas cair. Na viela pressentia-se o mesmo. Num dia de sol outonal, recebeu a visita de Klaus, um trabalho científico trouxera-o a esta região por um dia. Subiram juntos a colina alta, atraídos pelo sol bonito, quase sempre calados e evitando uma conversa mais íntima. O caminho conduziu-os pela floresta e depois por campos a perder de vista, Klaus admirava a erva tardia ainda viçosa, bem como as vacas castanhas malhadas que aqui pastavam. Para Simon, era simpático, um tanto meditativo, mas ainda assim simpático, passear com Klaus pela planície outonal, sem falar nem gesticular muito, ouvindo os badalos das vacas, trocando umas quantas palavras, preferindo olhar para a distância em vez de falar. Depois começaram a subir uma colina, prazenteiramente e sem pressas, pois Klaus queria observar carinhosamente cada ramo e cada baga, até que chegaram ao topo, à bonita orla da floresta, onde foram recebidos por um sol indizivelmente suave e aconchegante e onde lhes foi devolvida a liberdade do olhar. Lá em baixo viam um vale por onde serpenteava um rio de brilho branco, e por entre as copas amarelas das árvores e por entre as matas escondia-se uma aldeia graciosa, de telhados vermelhos, ladeada por vinhas castanhas: um vislumbre que era um consolo para o coração. Deitaram-se aqui sobre a erva, ficaram em silêncio por muito tempo, sem dizer uma palavra, concentraram os olhos na paisagem que se estendia à sua frente e os ouvidos no som dos sinos e depois entabularam uma conversa mais sentida do que dita, uma daquelas conversas que não podem ser escritas, que não têm outro fim para além da benevolência, que não querem dizer nada mas cujo cheiro e som e intenção não podem ser esquecidos. Klaus dissera: «Sem dúvida, quando penso que tudo te pode correr bem ainda, sinto-me outra vez mais animado. A ideia de tu vires a ser um homem útil e realizado sempre teve um bonito eco no meu coração. Mereces tanto o respeito da sociedade como qualquer outro homem, ou mais ainda, já que tens qualidades que outros não têm, qualidades talvez demasiado exigentes e inflamadas. Nunca deverás querer demasiado nem impor-te demasiadas exigências. Isso apenas prejudica e cria atritos e instaura a frieza, acredita. Não podes ficar zangado quando te deparas com coisas, as pequenas coisas do mundo, que não são do teu agrado. Outras opiniões e inclinações também são válidas, e princípios demasiado ideais envenenam, mais do que cultivam, o coração de um homem, o que é certamente nocivo. Tens uma enorme vontade de saltar, parece-me. Correr para uma meta até perderes o fôlego, é disso que gostas. Não pode ser. Deixa que cada dia passe tranquilo, natural e completo, e ganha orgulho em vivê-lo com algum conforto, que é afinal o que se espera de um homem. Temos o dever, perante os nossos pares, de tornar a nossa vida mais fácil, com decência e alguma dignidade, porque vivemos numa era de grandes preocupações culturais, silenciosas e graves, que pouco têm que ver com as exclamações rancorosas e exaltadas de um arruaceiro. Há em ti, devo dizer-te, um traço selvagem, e depois, de um momento para o outro, saltas para uma delicadeza que por sua vez só sobrevive exigindo dos outros uma delicadeza maior. Muitas coisas que deveriam magoar-te não te ofendem de todo, mas sentes-te atacado por coisas perfeitamente naturais do mundo e da vida. Tenta ser um homem entre os homens, e verás que tudo correrá bem porque, quando se trata de cumprir toda a espécie de obrigações, tu és incansável e, uma vez conquistado o amor dos homens, serás impelido a mostrar-lhes que o mereceste. Assim como agora és, escondes-te pelos cantos e perdes-te em nostalgias que não são propriamente dignas de um cidadão, de uma pessoa e, acima de tudo, de um homem. Quantas vezes não pensei já no que poderias fazer e empreender para te afirmares, mas no fim terei de deixar a teu cargo a tarefa de dar forma à tua vida, até porque os conselhos geralmente pouco valem.» Simon disse então: «Porque te preocupas tanto num dia tão bonito, em que olhar para a distância é já ser transportado para a felicidade?»
Depois falaram sobre a natureza e esqueceram os assuntos mais graves.
No dia seguinte, Klaus já tinha partido.
Robert Walser, Os Irmãos Tanner

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