A mentalidade dos adultos
não difere aliás muito da dos adolescentes. Os adultos, com a
prosápia que a adultidade lhes permite, mascaram os sinais
permanentes da sua adolescência com atitudes que desorientam os
observadores menos cautelosos. Se apreciarmos o homem, ou a mulher,
quando fuma, notaremos, nos modos como pega no cigarro, como o
acende, como o coloca na boca, como expele o fumo, como faz cair a
cinza, um certo ar de desafio, um certo ar de estar fazendo o que
muito bem lhe apetece, executando um acto que o dignifica. Se o
fumador for um homem de letras, um escritor, o expoente máximo da
intelectualidade portuguesa, é notória a expressão voluntariosa e
sublime quando fuma. Eu tenho uma colecção excelente de fotografias
de intelectuais que tenho recortado das folhas da imprensa, jornais e
revistas, em que todos estão a fumar, ou com o cigarro ao canto da
boca fazendo um esgar, ou com dois dedos espetados e o cigarro
instalado entre eles, ou meditando com a mão na testa e o cigarro
pendendo dos lábios. Se além de intelectuais são mulheres, muitas
vezes usam boquilha e ostentam-na de mão levantada e queixo erguido,
num desafio.
Não ficaria mal dizer que
fumar é um sacerdócio utilizando uma expressão que há tempos me
caiu debaixo dos olhos. Não era produto da prosápia de um
intelectual mas de um adolescente, aluno do meu Liceu de Pedro Nunes.
Rómulo de Carvalho, Memórias
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