O SOLITÁRIO
Não é
claro se ele está sentado ou de pé
O solitário: Por
aqui algures há lagos, porque os vejo cintilar. Nas alamedas da
solidão imperturbada sussurram as folhas. Nesse momento, ganham vida
pinturas e poemas que eu contemplei e li. No meio do silêncio, faço
o papel de grande senhor. Gostaria eu, porventura, de estar no meio
da multidão? E porque não? Mas acho que o convívio com as pessoas
mata o pensamento. As distracções incomodam. O encanto do falar
perde-se facilmente com a conversação. Talvez eu esteja ansioso por
falar com alguém. Como somos ingratos! Só quando desejamos alguma
coisa nos sentimos dispostos a exprimir o nosso agradecimento. O que
possuímos, desprezamo-lo. É magnífica a liberdade de espírito do
solitário, os seus pensamentos ganham forma instantaneamente, para o
pensador não há distâncias. Os patamares da idade são
ultrapassados. É ele próprio quem traça as fronteiras da moral e
fala com os vivos e os mortos. Aqueles de quem eu sinto a falta
sentem a minha falta também; ficaram a conhecer a vivacidade que eu
tinha. Não receio nem o ruído, nem o silêncio. Só há que ter
receio do recear. Em vez de ir vinte vezes ouvir concertos, vou
apenas uma vez, e o que então escutei ecoa fortemente para mim por
entre as vastas galerias da lembrança. O sopesar de cada palavra, a
avaliação do seu efeito, mais depressa os esquece aquele que
discursa do que aquele que permanece calado. Num encantador borbulhar
de águas prateadas, escorrem regatos por sobre a encosta escarpada
da imaginação tranquila. Dou mais valor à vida imaginária do que
à vida real. Quem se lembraria de me censurar por isso? Já quando
era rapaz gostava de sonhar; fui crescendo e, por outro lado, fui-me
tornando mais pequeno. A existência sobe e desce à maneira de uma
sequência ondulante de colinas e nada perde do seu significado. Onde
se fala de coisas importantes nem sempre é onde a vida se revela
mais impressionante. As discussões enfraquecem o seu tema, vão,
pouco a pouco, secando as fontes. A conversa fatiga. O solitário
sente-se estimulado tanto pelo passado como pelo presente. Se eu
sentisse vontade de chorar, isso em sociedade seria muito mal aceite!
Aqui, posso fazê-lo sempre que me apetecer. Só aqui percebi como
podem ser belas as lágrimas, como é belo deixarmo-nos dissolver na
emoção. Onde, senão aqui, me é permitido lamentar o orgulho,
levar a arrogância a baixar, degrau a degrau, aos abismos do
arrependimento, mostrar-me contrito diante da minha amiga, afundar-me
em humilhantes implorações? Quem ousaria ser tão fraco como o
solitário, quem se sentiria tão revigorado por essa ousadia como
ele? O agastamento nasce sempre da necessidade de dissimular, e eu
não sinto essa necessidade. Deixem-me ser como sou! Desse modo,
todas as pessoas que estão subordinadas, das maneiras mais diversas,
à sua actividade ficam, sem dúvida, privadas do meu saber, da minha
alegria inata, do meu vigor e arte de apaziguar e de aplanar. Mas
talvez outros haja que pratiquem suficientemente o bem, quem se sente
confiante encontra sempre desculpas. Também tem de haver sempre
alguém que seja negligente e que acredite despreocupadamente que daí
não vem mal ao mundo. A esse, rodeiam-no murmúrios de
rejuvenescimento que nunca cessam. Esse escuta o canto do glaciar
atravessando as horas do silêncio. Esforçando-se por regressar a si
próprio, ele ganha amplitude. Não foge dos homens. Como eu gostaria
de ser tido por simpático, como desejaria ver-me aceite no seu
círculo. No entanto, julgo ter feito tudo o que estava dentro das
minhas possibilidades para não me malbaratar. Preservei a minha
docilidade.
Robert Walser, A Rosa
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