quinta-feira, 6 de dezembro de 2012


O SOLITÁRIO

Não é claro se ele está sentado ou de pé

O solitário: Por aqui algures há lagos, porque os vejo cintilar. Nas alamedas da solidão imperturbada sussurram as folhas. Nesse momento, ganham vida pinturas e poemas que eu contemplei e li. No meio do silêncio, faço o papel de grande senhor. Gostaria eu, porventura, de estar no meio da multidão? E porque não? Mas acho que o convívio com as pessoas mata o pensamento. As distracções incomodam. O encanto do falar perde-se facilmente com a conversação. Talvez eu esteja ansioso por falar com alguém. Como somos ingratos! Só quando desejamos alguma coisa nos sentimos dispostos a exprimir o nosso agradecimento. O que possuímos, desprezamo-lo. É magnífica a liberdade de espírito do solitário, os seus pensamentos ganham forma instantaneamente, para o pensador não há distâncias. Os patamares da idade são ultrapassados. É ele próprio quem traça as fronteiras da moral e fala com os vivos e os mortos. Aqueles de quem eu sinto a falta sentem a minha falta também; ficaram a conhecer a vivacidade que eu tinha. Não receio nem o ruído, nem o silêncio. Só há que ter receio do recear. Em vez de ir vinte vezes ouvir concertos, vou apenas uma vez, e o que então escutei ecoa fortemente para mim por entre as vastas galerias da lembrança. O sopesar de cada palavra, a avaliação do seu efeito, mais depressa os esquece aquele que discursa do que aquele que permanece calado. Num encantador borbulhar de águas prateadas, escorrem regatos por sobre a encosta escarpada da imaginação tranquila. Dou mais valor à vida imaginária do que à vida real. Quem se lembraria de me censurar por isso? Já quando era rapaz gostava de sonhar; fui crescendo e, por outro lado, fui-me tornando mais pequeno. A existência sobe e desce à maneira de uma sequência ondulante de colinas e nada perde do seu significado. Onde se fala de coisas importantes nem sempre é onde a vida se revela mais impressionante. As discussões enfraquecem o seu tema, vão, pouco a pouco, secando as fontes. A conversa fatiga. O solitário sente-se estimulado tanto pelo passado como pelo presente. Se eu sentisse vontade de chorar, isso em sociedade seria muito mal aceite! Aqui, posso fazê-lo sempre que me apetecer. Só aqui percebi como podem ser belas as lágrimas, como é belo deixarmo-nos dissolver na emoção. Onde, senão aqui, me é permitido lamentar o orgulho, levar a arrogância a baixar, degrau a degrau, aos abismos do arrependimento, mostrar-me contrito diante da minha amiga, afundar-me em humilhantes implorações? Quem ousaria ser tão fraco como o solitário, quem se sentiria tão revigorado por essa ousadia como ele? O agastamento nasce sempre da necessidade de dissimular, e eu não sinto essa necessidade. Deixem-me ser como sou! Desse modo, todas as pessoas que estão subordinadas, das maneiras mais diversas, à sua actividade ficam, sem dúvida, privadas do meu saber, da minha alegria inata, do meu vigor e arte de apaziguar e de aplanar. Mas talvez outros haja que pratiquem suficientemente o bem, quem se sente confiante encontra sempre desculpas. Também tem de haver sempre alguém que seja negligente e que acredite despreocupadamente que daí não vem mal ao mundo. A esse, rodeiam-no murmúrios de rejuvenescimento que nunca cessam. Esse escuta o canto do glaciar atravessando as horas do silêncio. Esforçando-se por regressar a si próprio, ele ganha amplitude. Não foge dos homens. Como eu gostaria de ser tido por simpático, como desejaria ver-me aceite no seu círculo. No entanto, julgo ter feito tudo o que estava dentro das minhas possibilidades para não me malbaratar. Preservei a minha docilidade.

Robert Walser, A Rosa 

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