«(...) não
há dúvida de que a maior parte das manifestações da nossa vida
assenta na insegurança intelectual. O que as determina é a crença,
a suposição, a hipótese, a intuição, o desejo, a dúvida, as
inclinações, as exigências, os preconceitos, a persuasão, a
exemplificação, os pontos de vista pessoais e outros estados de
semicerteza. E como nesta escala a opinião se situa mais ou menos a
meio caminho entre a fundamentação e o arbítrio, uso o seu nome
para designar o todo. Se aquilo que exprimimos por palavras, por mais
grandiosas que sejam, quase nunca é mais do que uma opinião, aquilo
que exprimimos sem palavras é sempre e apenas opinião.
«Digo então: no que de
nós depende, a nossa realidade é, em grande parte, apenas uma
opinião, apesar de lhe atribuirmos sabe Deus que importância.
Podemos dar à
nossa vida uma determinada expressão na
pedra das casas, mas isso acontece sempre por causa de uma opinião.
Podemos matar alguém ou sacrificar-nos, que agimos sempre com base
numa suposição. Quase diria que todas as nossas paixões não
passam de suposições, que nos enganamos muitas vezes com elas e que
só nos entregamos a elas pelo desejo de nos afirmarmos! E também
quando dizemos que fazemos alguma coisa de "livre" vontade
isso pressupõe que agimos apenas porque uma opinião no-lo impõe.
(...)
«Pode parecer obstinação,
mas só compreendo o que vejo quando observo o seguinte: esta
contradição entre a paixão de si que enche o peito diante do
esplendor de tudo o que criamos e a marca secreta do abandono e da
renúncia a que somos votados, que se instala igualmente desde o
primeiro minuto, corresponde perfeitamente à minha ideia de que tudo
isso não passa de mera opinião. Vemo-nos, assim, numa situação
muito particular, já que toda a opinião revela a mesma e dupla
particularidade: enquanto é nova, provoca intolerância em relação
a qualquer outra que se atravesse no seu caminho (quando as
sombrinhas vermelhas estão na moda, as azuis tornam-se "impossíveis"
- e algo de semelhante se passa também com as nossas convicções);
por outro lado, cada opinião tem uma segunda particularidade: com o
tempo, e de forma igualmente inexorável, acaba por ser abandonada
quando deixa de ser nova. Eu próprio disse um dia que a realidade se
anula a si mesma. Também se poderia dizer que quando alguém se
manifesta apenas com opiniões, nunca se revela plenamente e em
permanência; mas se nunca se consegue expressar integralmente,
tentará fazê-lo das mais diversas maneiras, e assim terá a sua
história. Ou seja, só por fraqueza terá uma história - isto,
apesar de os historiadores, compreensivelmente, considerarem a
capacidade de fazer história uma distinção especial!»
Robert Musil, O Homem sem
Qualidades
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