quinta-feira, 10 de janeiro de 2013


- Há pessoas, e eu conheci algumas - comentou Stumm -, que não perdem a mínima oportunidade de conhecer todos os génios de que se fala!
Ao que Ulrich respondeu:
- Esses são snobes e pedantes intelectuais. E o general:
- Mas Diotima também é assim. Ulrich:
- Não importa. Uma pessoa que acumula tudo o que encontra acaba por não ter forma própria, é como um saco.
- É verdade - reagiu o general, com um leve tom de censura -, tu já muitas vezes disseste que Diotima é snobe. E também falaste assim do Arnheim. Por isso é que eu achava que um snobe era alguém muito estimulante! Para ser franco, até me esforcei por ser um deles e não perder nada do que acontecia de importante. E agora custa-me um pouco ouvir-te dizer que nem um snobe oferece garantias de entender o génio. Já antes disseste que nem a juventude nem a velhice o garantem. E depois chegámos à conclusão de que os próprios génios não são capazes de o fazer, e muito menos os críticos. A conclusão lógica é que a genialidade, afinal, acaba por se revelar a qualquer um!
- Lá chegaremos, a seu tempo! - animou-o Ulrich, rindo. - A maior parte das pessoas acredita que os tempos fazem emergir naturalmente a grandeza.
- Pois é, é o que se ouve dizer. Mas explica-me isso, se puderes! - pediu Stumm com impaciência. - Compreendo que aos cinquenta anos se seja mais esperto do que aos vinte. Mas eu não sou mais esperto às oito da noite do que às oito da manhã. E não me parece que com mil novecentos e catorze anos sejamos mais espertos do que com mil oitocentos e catorze!
E assim se puseram a discutir ainda durante algum tempo o difícil capítulo da genialidade, o único que, segundo Ulrich, justifica a humanidade; mas é ao mesmo tempo o mais excitante e vergonhoso, porque nunca sabemos se temos diante de nós um génio ou uma das suas imitações sem alma. E como se distingue? Como passa de geração em geração? Poderia desenvolver-se mais se não fosse sistematicamente impedido de o fazer? Será assim tão desejável, como Stumm perguntava? Eram questões que, para o general, faziam parte da beleza da condição civil e da sua desgraçada desordem; já Ulrich as comparava à meteorologia, que não só é incapaz de dizer se amanhã fará bom tempo, como também se ontem esteve sol. É que o juízo sobre o que é genial muda com o espírito dos tempos - isto, se é que alguém está interessado nisso, coisa que não tem de ser vista como sinal por excelência da grandeza da alma e do espírito. 
Robert Musil, O Homem sem Qualidades

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