- Há pessoas, e eu
conheci algumas - comentou Stumm -, que não perdem a mínima
oportunidade de conhecer todos os génios de que se fala!
Ao que Ulrich respondeu:
- Esses são snobes e
pedantes intelectuais. E o general:
- Mas Diotima também é
assim. Ulrich:
- Não importa. Uma pessoa
que acumula tudo o que encontra acaba por não ter forma própria, é
como um saco.
- É verdade - reagiu o
general, com um leve tom de censura -, tu já muitas vezes disseste
que Diotima é snobe. E também falaste assim do Arnheim. Por isso é
que eu achava que um snobe era alguém muito estimulante! Para ser
franco, até me esforcei por ser um deles e não perder nada do que
acontecia de importante. E agora custa-me um pouco ouvir-te dizer que
nem um snobe oferece garantias de entender o génio. Já antes
disseste que nem a juventude nem a velhice o garantem. E depois
chegámos à conclusão de que os próprios génios não são capazes
de o fazer, e muito menos os críticos. A conclusão lógica é que a
genialidade, afinal, acaba por se revelar a qualquer um!
- Lá chegaremos, a seu
tempo! - animou-o Ulrich, rindo. - A maior parte das pessoas acredita
que os tempos fazem emergir naturalmente a grandeza.
- Pois é, é o que se
ouve dizer. Mas explica-me isso, se puderes! - pediu Stumm com
impaciência. - Compreendo que aos cinquenta anos se seja mais
esperto do que aos vinte. Mas eu não sou mais esperto às oito da
noite do que às oito da manhã. E não me parece que com mil
novecentos e catorze anos sejamos mais espertos do que com mil
oitocentos e catorze!
E assim se puseram a
discutir ainda durante algum tempo o difícil capítulo da
genialidade, o único que, segundo Ulrich, justifica a humanidade;
mas é ao mesmo tempo o mais excitante e vergonhoso, porque nunca
sabemos se temos diante de nós um génio ou uma das suas imitações
sem alma. E como se distingue? Como passa de geração em geração?
Poderia desenvolver-se mais se não fosse sistematicamente impedido
de o fazer? Será assim tão desejável, como Stumm perguntava? Eram
questões que, para o general, faziam parte da beleza da condição
civil e da sua desgraçada desordem; já Ulrich as comparava à
meteorologia, que não só é incapaz de dizer se amanhã fará bom
tempo, como também se ontem esteve sol. É que o juízo sobre o que
é genial muda com o espírito dos tempos - isto, se é que alguém
está interessado nisso, coisa que não tem de ser vista como sinal
por excelência da grandeza da alma e do espírito.
Robert
Musil, O
Homem sem Qualidades
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