domingo, 6 de janeiro de 2013


Mesmo um homem de génio traz em si uma medida que lhe permitirá chegar à conclusão de que no mundo tudo anda para diante e para trás de uma forma absolutamente inexplicável - mas, onde está esse homem? Ulrich não sentia o menor desejo de se pôr a reflectir sobre isso, mas a questão atraía-o sem que ele soubesse bem porquê.
- É preciso distinguir o génio em geral do génio como superlativo individual - começou, sem encontrar ainda a expressão mais certa. - Antes, eu pensava por vezes que as únicas raças humanas importantes eram apenas a do génio e a do estúpido, e que não é fácil misturá-las. Mas os indivíduos da espécie genial, os geniais, não têm necessariamente de ser logo génios. Este, o génio admirado, nasce verdadeiramente na feira das vaidades; o seu brilho reflecte-se nos espelhos da estupidez que o rodeia; ele está sempre dependente de qualquer coisa que lhe confere mais algum mérito, como o dinheiro ou as condecorações. Por maiores que sejam os seus méritos, apresenta-se sempre como uma espécie de genialidade embalsamada ...
Agathe interrompeu-o, curiosa por saber mais do outro: - Pois, mas ... e a genialidade propriamente dita?
- Se retirares do boneco empalhado o que é palha, o resto devia ser isso - disse Ulrich. Mas pensou melhor e acrescentou, desconfiado: - Nunca saberei o que é genial, e também não sei quem irá dizer-me o que isso é!
Robert Musil, O Homem sem Qualidades 

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